05 outubro 2006

Quais negocios estrangeiros?



Bunnyranch
Club Mercado, Lisboa
4 de Outubro

Num destes dias desta mesma semana, vi José Sócrates, ufano, anunciar uma medida que, inserida no Orçamento de Estado para 2007, prevenirá que as empresas portuguesas a operar em mercados estrangeiros sofram aquilo a que se chama a dupla tributação. Na realidade, significa que essas empresas não serão, em matéria fiscal, taxadas pelo que lucram em Portugal e fora de Portugal. Serve isto, dizem, de incentivo às empresas arrojadas que contribuem para o lado bom da balança comercial, o das exportações.

Ora se a realidade cultural fosse idêntica a esta nova realidade económica, em Portugal só Mariza estaria, provavelmente, em posição de ser beneficiada pela medida. Por uma razão ou por outra, Portugal não produz, musicalmente falando, produto exportado. Em boa hora se convenceu todo o interveniente no chamado "meio" de que a "internacionalização" era coisa de gente pobre (de graveto e de espírito) a sonhar alto ou a armar ao pingarelho. O que não faz sentido é que essa quimera tenha caído no esquecimento dos próprios criadores, mesmo assimilado o facto de que, dentro destas fronteiras, fazer música esteticamente relevante seja tão dignificante quanto vender time sharing na Rua Augusta.

Os Bunnyranch fazem-me pensar nisto, como mais uns quantos o fazem. Aos próprios costumo dizer que "esta merda deste país não interessa a ninguém". Aqui, neste espaço mais formal, não me ocorre nada melhor para dizer. Porque os Bunnyranch embrulham na sua música História e histórias tão pulsantes que não cabem no entendimento médio de uma gigante mole movida a Gouchas, Preços Certos e tablóides escrupulosamente imbecis. Em Portugal, os Bunnyranch têm habilitações a mais. O que é um problema comum a outros domínios.

"Luna Dance" é o novo álbum dos Bunnyranch e é, simultaneamente, um álbum de crescimento (passe o paternalismo). Pelo que no Mercado se viu e ouviu, sobretudo por quem, como eu, ainda não tinha ouvido o novo disco, tem canções que não servem só para se perder num emaranhado de intenções e muito "estilo". São canções a sério, cada vez mais bem interpretadas por Kaló, ele próprio cada vez mais capaz de afastar-se da imagem redutora do rocker abrutalhado em prol da comunicação. Nunca se pensa nisto, mas a música serve para comunicar.

Estrearam ao vivo o alinhamento de "Luna Dance" e, quase tão importante do que isso, estrearam o hábil e mui solicitado João Cardoso nas teclas. Nada a obstar. Falta, como se diz noutros domínios, os "automatismos", ou pelo menos algumas subtilezas decorrentes da empatia. Não é difícil imaginar que chegarão com o tempo, com os concertos, com o próprio desenvolvimento do rock'n'roll. E nessa altura já terá dado para elevar canções como "Flip Flop", "The Dog" e "We Got This Thing" ao estatuto que estão mesmo a pedir. E ainda "Can't Stop the Ranch", obviamente talhada para ser um hino berrado por multidões. Mas isto talvez fosse mais fácil se os Bunnyranch fossem apenas Mariza.

Os Bunnyranch são, cada vez menos, um sucedâneo de uma qualquer cultura norte-americana de geração beat e sob o eterno abutre dos blues. São, cada vez mais, a mistura disso com referências, por exemplo, resgatadas a uma Inglaterra dos anos 60 à margem dos Beatles. E mantêm, deliciosamente, aquele tom que evoca Booker T. A questão é só uma: o que é que José Sócrates pensa fazer em relação a isto?

Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.

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