18 agosto 2006

Paredes de Coura de A a Z (um digest amigo)

Morrissey

A
AMIGOS

Começo isto com uma lamechice do cacete. Nem mais. Se há acontecimento musical onde um gajo encontra amigos, esse acontecimento é o Festival de Paredes de Coura. Pela forma como o festival cresceu, pela militância com que ele é apoiado, o que mais une os amigos em Paredes de Coura é a cumplicidade. O que interessa ali se um gajo é músico, DJ, jornalista, retalhista ou empregado dos têxteis?

B
BAUHAUS

Não estive no Coliseu do Porto há uns meses para vê-los, por isso não sabia que a dada altura se ouviria o histórico “Transmission”, dos Joy Division. Nesse instante aplaudi aquilo que me pareceu o triunfo de uma geração, a que cresceu a ouvir estas e algumas outras bandas. O triunfo dessa geração sobre a voracidade do tempo, sobre a ditadura do que ainda está para vir. Tudo (ou quase tudo) o que os Bauhaus mostraram não é de hoje. Ou pelo menos isso era o que os putos charilas julgavam.

C
CHUVA

Começa a fazer parte da História, ano sim, ano não. Há dois anos foi o dilúvio. Desta vez, começou a tombar quando Morrissey subiu ao palco, acompanhando dois dias depois os concertos dos Cramps e dos Bauhaus. Se quisermos uma perspectiva romanceada da coisa, momentos houve em que a dita fez todo o sentido, como se gerada em amplificadores. E mais: em Paredes de Coura, quando chove ninguém sai de onde está.

D
DOCE

É, simultaneamente, genial e impossível. Lá pelo meio das barracas das comezainas, um modesto carrinho com duas maquinetas quentes debita um cheiro muito próximo do delirante conceito do “cio alimentar”. Uma loucura calórica, a cama ideal para litros de cerveja. Explica-se assim: um crepe quente é enrolado em torno de um chocolate à escolha entre Toblerones, Mars, Kit Kats, etc. Três euros, uma provável dor de barriga e um prazer inimaginável.

E
EAGLES OF DEATH METAL

Um festival sem estas coisas não é a mesma coisa. A mim não me fez grande confusão, uma vez que sou relativamente indiferente ao som que dali vem, mas a falta não anunciada de Josh Homme teve alguma graça. Como se nada fosse, ali estiveram os outros maduros a dar conta da função. E ouve quem tivesse perguntado: “qual deles é o Josh Homme?”… E constou-me que os Eagles of Death Metal gostaram tanto ou tão pouco dos portugas Vicious Five que lhe propuseram uns concertos conjuntos lá pelos Estados Unidos, onde há tempo demasiado andaram os Tédio Boys.

F
FISCHERSPOONER

Se em disco nunca me incomodaram muito, ao vivo confesso que me pareceram uma anedota com alguma piada. Mesmo descontando os fatos de realeza e querubim exibidos por Casey Spooner, a música e todo o conceito estético dos nova-iorquinos cruzam-se para formar um burlesco espectáculo que tem existência para lá da pop e da electrónica. Para o meu amigo Jorge Manuel Lopes, faltam-lhes mais canções. Eu acho que só lhes falta John Cleese.

G
GENTE

Sempre mais e sempre melhor. Quando há uns anos o flagelo conhecido como nu-metal se apoderou de Paredes de Coura, temi pelo que se passaria quando a praga fosse finalmente debelada. Felizmente, hoje vai quem gosta de música, de novidade, de transgressão, de talento, mesmo de memória afectiva. Hoje é comum ver 22 mil pessoas numa noite em Paredes de Coura. Sem os Korn e cagadas do género.

H
HOTEL VALENÇA DO MINHO

Parece um estilhaço de um bairro social dos anos 60 que correu mal. Dificilmente terá conhecido o grafite de um arquitecto. Ao pequeno-almoço, num dia ouve-se uma estação de rádio que toca Ágata e Romana, enquanto no outro se digere uma reunião de venda ambulante de desumidificadores e sofás de massagens na sala ao lado. Entre paredes verde-vómito e cortinados rosa floridos. Os corredores tresandam a ambientador tóxico e ainda há rádios na cabeceira. Com quatro estações: duas bem sintonizadas e outras que misturam as ditas. Lá fora, piscina e court de ténis que viram manutenção quando Salazar caiu da cadeira. Nas traseiras, um bar actualmente fechado e tapado com papel de jornal que, dizem-me, no ano passado ainda albergava a mui nobre profissão de alternadeira. Tão sinistro que conquista o coração. Muito lentamente, claro.

I
IMPERIAL

É uma das grandes companhias nestas ocasiões, como se sabe. Este ano, a Heineken chegou-se à frente e assegurou igual presença nas próximas duas edições do Paredes de Coura. Primeiro, é bom ver alguém correr por fora e ganhar. Segundo, um casamento com duração garantida implica à partida níveis crescentes de exigência entre as partes envolvidas. Ganhamos nós, com toda a certeza.

J
JOÃO CARVALHO

É, digamos assim, o rei de Paredes de Coura. É um belíssimo amigo que representa uma das partes da Ritmos, a empresa que organiza o festival há 14 anos. É um rodas-baixas que cresceu profissionalmente com os anos e que hoje trata todas as situações pelo primeiro nome. É ele próprio uma personagem incontornável nas subidas e descidas da Praia Fluvial do Tabuão.

K
KITTEN

Presença regular no cartaz de Paredes de Coura, DJ Kitten voltou este ano ao after-hours para a sessão incendiária que se lhe conhece. Não o vi desta vez, mas esta letra não é fácil de preencher.

L
LUX INTERIOR

Se alguém não o sabe, que saiba que é o nome artístico do vocalista de sempre dos Cramps. Que, digam lá o que disserem, partiram a loiça toda nesta edição do festival. Ouvi por lá dizer que terá sido um concerto morno. Não sei é o que é que mais se pode pedir a um rocker alegadamente idoso do que debitar vísceras entre as palavras, emborcar uma garrafa de tinto durante a actuação, subir aos monitores laterais do palco e descrever no chão todo o tipo das mais dementes coreografias. A não ser que a sua banda toque “Human Fly”, que não tocou.

M
MORRISSEY

Foi a principal motivação para que o signatário destas linhas fosse a Paredes de Coura este ano. E, como já li, deu aquele que ficará conhecido como o magnífico concerto que terminou com a interrupção de “Panic”. Se é certo que o episódio dá origem a todo o tipo de interpretações, das mais conformadas às mais verrinosas, não é menos verdade que os 80 minutos que ali se passaram confirmaram a excelência, a inteligência, o humor mutante e a voz santa do ex-vocalista dos Smiths. A interrupção de “Panic”, que não é inédita, foi antecedida por um “God bless you, thank you”. Era só o que faltava Morrissey ser o único veterano a não poder gerir o seu espólio como entender.

N
NO DJs

São Nuno Calado e Rui Estevão, ambos da Antena 3. Tiveram a tresloucada gentileza de convidar-me para com eles passar discos na noite de dia 13 e, como imaginava, foi uma pândega daquelas, à moda antiga. O Calado é uma rock star, o Estevão um poço de classe e eu fui um gajo que se passou dos carretos e em estado catalítico fez inimagináveis figuras. Fosse nas tentativas de dançar, fosse na forma possuída como olhava para as centenas de pessoas que se juntaram à frente do palco. Obrigado, é tudo o que digo.

O
OUTROS

Entre aqueles cujos nomes não merecem entrada directa neste alfabeto, há os que interessam mais, os que interessam menos e os que não interessam de todo. Do lado do que interessa, que se coloquem os Vicous Five, os Broken Social Scene ou os seminais Gang of Four (o escavacar do micro-ondas vai fazer História). Do outro estão inevitavelmente os chatíssimos Gomez, os inodoros Madrugada ou os vulgaríssimos White Rose Movement. No meio ficam os Bloc Party, que são muito melhores ao vivo do que em disco mas que vivem a glória de uma-canção-uma que é boa e que uma empresa de telecomunicações tratou de transformar no hino da igualdade entre todos os povos ouvintes do mundo dito ocidental.

P
PROMOTORES

Ao que parece, a união entre a Ritmos e a Tournée corre bem e é para durar. São as duas empresas que hoje organizam o Festival de Paredes de Coura e são, o que não é novidade para ninguém, feitas de gente que gosta de música, que dá importância à música e que percebe que a fidelidade de um público destes não é de geração espontânea, alimenta-se.

Q
QUEM

Os freaks, os góticos, os billys, as pessoas perfeitamente normais, os espaanhóis loucos por Morrissey, todos foram a Paredes de Coura este ano. Há os costumeiros rituais, há o mosh pontual, mas sobretudo há um aglomerado de formas de estar que tem como base a intensa relação com a coisa musical. Em Paredes de Coura, toda a gente sabe por que lá vai. Melhor: por quem lá vai.

R
REGRESSO

Não me refiro ao dos !!! ou ao dos Yeah Yeah Yeahs, mas ao meu. Um ano sem lá ir fez-me sentir a sua falta.

S
SIC RADICAL

Quando se vê a forma como a MTV marca presença num festival como o de Paredes de Coura, não deixa de acorrer à lembrança algumas das pessoas que a Radical lá levava para encarar a música a sério.

T
!!!

Aqui estive em gritante desvantagem perante quem esteve no festival em 2005. Não faço ideia de como foi o concerto destes norte-americanos há um ano, que todos descrevem como avassalador, mas o que nesta edição se passou não foi menos do que… avassalador. São uma fábrica de fazer dançar e são-no de uma forma tão natural e biológica que se estranha. Ele é a percussão a duplicar, ele é a performance vocal e de liderança também a duplicar, ele é uma capacidade de provocar agitação de fazer inveja aos mais radicais cientistas do electro. Em Paredes de Coura, todos o sabem, há bandas-fétiche. Os !!! garantiram em 2005 esse estatuto.

U
UM

É o tal jornal gratuito de que aqui já falei e que esteve em barda pelo festival minhoto. Coincidentemente, e por razões diversas, esteve lá também quase toda a gente que o faz. Mas o que interessa é que já foi folheado e lido. Voltamos em Setembro.

V
VIPs

Este é um conceito que nunca existiu em Paredes de Coura. VIPs, como se sabe, não comem sandes, rissóis, croquetes e pastéis de bacalhau. Viajam normalmente em turbas organizadas para serem fotografados em áreas criadas para o efeito. Em Paredes de Coura, valoriza-se mais quem ali vai traabalhar ou quem, ao longo dos anos, foi publicamente estabelecendo com o festival uma relação de amor inquebrável. Sempre que há música no palco de Paredes de Coura, quem tem a pulseira denominada VIP acotovela-se junto à varanda para ver os espectáculos. É incrível como até aqueles VIPs gostam de música.

W
WE ARE SCIENTISTS

Com uma mudança de planos no que aos horários diz respeito, passaram para o final de serão. É rock de curioso recorte, com mais matéria do que uma canção como “Nobody Move, Nobody Get Hurt” pode sugerir. O que tem piada, a confirmar-se, é o facto de terem estado junto ao palco durante o concerto dos Bloc Party a fazer o pagode na cara dos ingleses. Ao que parece, por considerarem que nada mais têm do que uma canção.

X
X-WIFE

Quis o destino que também nesta letra me cruzasse com João Vieira (DJ Kitten). Pouco vi dos X-Wife. Estava muita gente junto ao palco after-hours, mas mais considerações são pura especulação.

Y
YEAH YEAH YEAHS

Estiveram longe do efeito provocado na estreia, há dois anos. Mas, ao mesmo tempo, aliam maior serenidade a superior consistência. Karen O não fez o número do ananás nem puxou dos galões da proverbial badalhoquice. Não foi memorável, mas foi muito bom.

Z
ZÉ PEDRO

Com um único concerto e uma dezena de ensaios no currículo, subiu ao palco o mais recente super-grupo de produção portuguesa. Fred, Pedro Gonçalves (o outro), Alexandre Soares e Jorge Coelho são os parceiros de Zé Pedro nos Maduros, um combo que existe porque não vive sem misturar as experiências recolhidas por onde cada um tem andado. É visível o espírito de jam session, o prazer da experiência. Como é visível que a maior debilidade do colectivo reside nas naturais limitações vocais do guitarrista dos Xutos & Pontapés, inexcedível na entrega mas menos folgado em recursos.

Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.

9 comentários:

  1. Amigo Pedro, estive lá na noite mágica do Morrissey. Encontrei o amigo Diogo, mas não te consegui encontrar, com muita pena minha!

    Grande abraço

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  2. Mas vimos o concerto juntos, bem lá na frente...

    Grande abraço!

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  3. Meu caro, peço desculpa por discordar mas a letra R refere-se sem qualquer dúvida ao Romão.

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  4. Como é que isso não me ocorreu?...

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  5. Já fiquei com inveja vossa, por não ter ido... para o ano quebrarão vocês o padrão e eu também? :)

    Aloha,

    MP

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  6. Se tudo correr de feição, para o ano é a mesma coisa.

    Abraço.

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  7. Allo allo,

    lamento imenso discordar de si, mas relativamente aos MAUDUROS, eles são péssimos. Não consigo entender como é que músicos com a experiência que têem fazem um projecto tão MAU...duro. Se o problema fosse só as debilidades do Sr.Zé predro, era um mal menor. Aquelas letras, por favor,...

    Ass: Sra_Cor_de_laranja

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  8. Olá caro Pedro:
    É ele próprio uma personagem incontornável nas subidas e descidas... Sim senhor grande amigo que eu tenho!
    Parabéns pelo balanço.
    Grande abraço campeão.
    João Carvalho

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  9. Os Maduros são...péssimos!!!!as letras são para esquecer, do zé pedro nem falo...tenho pena do A. Soares e do P. Gonçalves que não merecem aquilo!

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