29 agosto 2006
24 agosto 2006
1 Pouco Mouco @ UM #0.5
Honesta contribuição para a edição 0.5 do gratuito quinzenal UM, número de ensaio do que em Setembro sai à rua:
THOM YORKE
The Eraser
CD XL
Que se saiba à partida que o signatário da prosa considera a dita como um gigantesco desafio e, simultaneamente, uma tremenda demonstração da denominada ironia da vida. O signatário da prosa pertence à sub-humana categoria daqueles que não têm especial consideração estética pelos Radiohead. E, ainda assim, quis partilhar a sua visão do primeiro álbum a solo de Thom Yorke, o eterno vocalista do grupo inglês que, segundo se diz, ficará na História à custa de discos como OK Computer e Kid A. O director do UM é meu amigo. Gosto que lhe escrevam cartas.
Se se pensaria que, em nome individual, Thom Yorke andaria a remexer caixotes para encontrar dejectos não aproveitados pelos Radiohead, o erro não é completo. Em boa verdade, The Eraser junta Thom Yorke a Nigel Godrich, hoje praticamente tão responsável pelo trajecto dos Radiohead como os músicos do colectivo. E, depois, é por demais evidente aquele universo nenhum em que o longínquo ideário pop é penetrado pelos mais narcóticos arremedos electrónicos de microscópicos loops e cirúrgicas ritmias pouco ortodoxas.
Mas The Eraser é como Yorke confessa querê-lo: discreto. Não por acaso, é precisamente por, ao contrário do que acontece nos Radiohead, não ser ostensiva a necessidade de descobrir o que mais ninguém conhece ou chegar ao patamar da “obra do século” que The Eraser se torna gradualmente mais íntimo. O piano e a guitarra pontual, ao lado de canções como “Black Swan”, “And It Rained All Night” e “Cymbal Rush” também ajudam muito. Às tantas até é um disco de canções. Bravo.
Pedro Gonçalves
BOY KILL BOY
Civilian
CD Mercury/Universal
Recomendado a quem não desenvolveu alergia recente ao rock emanado por uns Franz Ferdinand e Kaiser Chiefs, aqui em versão mais inofensiva (“Friday Friday”, “Six Minutes”, “Civil Sin”).
PRIMAL SCREAM
Riot City Blues
CD Columbia/Warner
Se lhe disserem que Bobby Gillespie e companhia fizeram um álbum quase igual a Give Out But Don’t Give In mas muito melhor, faça por acreditar que se trata de uma boa notícia. É que é mesmo, como se lhe fosse acrescentado Bob Dylan, os Clash e… Paulo Furtado (“Nitty Gritty”, “Little Death”, “We’re Gonna Boogie”, “Sometimes I Feel So Lonely”).
HOT CHIP
The Warning
CD EMI
Não obstante a urgência da edição do segundo álbum, os esquizofrénicos londrinos mantêm o exigido equilíbro entre a coisa pop, a electrónica obtusa, os sonhos narcóticos e o humor que não se auto-ridiculariza (“And I Was a Boy From School”, “Colours”, “Arrest Yourself”).
RADIO 4
Enemies Like This
CD EMI
Com amigos destes, não é de estranhar que na História da Música haja apenas uma entrada para os Radio 4, a referente a Gotham!, de 2002. Caso para o proverbial “I’m bored, what’s next?” (“Too Much to Ask For”, “This is Not a Test”, “As Far As the Eye Can See”).
THE FUTUREHEADS
News and Tributes
CD 679
Segundo álbum dos ingleses procura e encontra novos pontos de fuga para o pêlo na venta de balcão de pub. Tudo indica que pelos seus ouvidos passaram belíssimos discos. E inteligentes, também (“Cope”, “Skip to the End”, “Back to the Sea”, “Thursday”).
KING BISCUIT TIME
Black Gold
CD Poptones
A humanidade é uma besta totalmente surda. E Steve Mason, o líder da sublime Beta Band que agora se estreia com um álbum a solo “a sério”, é uma das maiores vítimas desse facto. Black Gold é, obviamente, um tratado em 10 partes intransmissível (“C I Am 15”, “Izzum”, “Kwangchow”, “Way You Walk”).
NO WOMAN NO CRY – A MINHA VIDA COM BOB MARLEY
Rita Marley com Hettie Jones
Livro Casa das Letras
A Rita Marley, a única mulher oficial do imortal rei da música e da cultura jamaicanas, será sempre perdoado o facto de não ser escritora. O mesmo não acontece com Hettie Jones, que em No Woman No Cry tenta contribuir, supõe-se, para a consistência da narrativa assente num assinalável número de episódios, memórias, amor e inspiração. Longe de tratar-se de uma obra capaz de figurar junto das melhores biografias de músicos conhecidas, No Woman No Cry é, fundamentalmente, o desabafo agridoce de quem foi, desde que os Wailin’ Wailers passavam à sua porta a caminho da Studio One de Coxsone Dodd até ao dia da morte de Robert Nesta Marley, sua mulher, mãe, amiga, irmã e fiel depositária de fertilidade.
No Woman No Cry, não obstante conter com naturalidade explicações e referências a numerosas histórias e personagens da cultura jamaicana marcada por Bob Marley – de Coxsone Dodd a Peter Tosh, de Lee “Scratch” Perry a Chris Blackwell –, é sobretudo a narração amiúde demasiado simplista da relação entre um casal que quase nunca o foi. Ao parecer-se, com inesperada frequência, com uma redacção encomendada por uma professora primária, o livro perde estrondosamente a oportunidade de entrar para a categoria das obras seminais decorrentes da música. Se, conforme a própria Rita Marley confessa, muito do mal por que passou se devia à convicção de que a música era a missão do seu marido e o sucesso uma consequência natural dessa missão, o que mais falta faz a No Woman No Cry é, precisamente, a capacidade de sugerir uma banda sonora subliminar para as suas páginas.
Pedro Gonçalves
FALCÃO – MENINOS DO TRÁFICO
de MV Bill e Celso Athayde
Documentário Central Única das Favelas
Se no que toca ao Brasil os relatos relacionados com a criminalidade não são coisa de surpreender, Falcão – Meninos do Tráfico teve um efeito estranhamente pesado quando este ano foi mostrado pela primeira vez na Globo, no programa Fantástico.
A realidade da favela, que Meirelles tratou de democratizar visualmente através de Cidade de Deus, é em Falcão ampliada pela parcimónia de meios e por um teor documental praticamente amoral. A juntar a isso, foi tornado público o facto de, no espaço de dois anos do longo trabalho do rapper MV Bill (na foto) e do produtor Celso Athayde, 16 dos 17 miúdos que funcionaram como alicerce do documentário terem falecido por motivos relacionados com o crime, todo ele filiado no tráfico de droga na favela.
Falcão é o termo que designa os rapazes, alguns com menos de 15 anos, que durante toda a noite fazem vigilância na favela para que o negócio se processe sem sobressaltos policiais. São esses os rostos enconbertos de um documentário que, na impossibilidade de ser encontrado pelas vias tradicionais, está acessível a utilizadores do método de partilha de ficheiros online.
Falcão – Meninos do Tráfico é feito de vozes insensíveis à desgraça, revoltadas pelo abandono paternal, descrentes em qualquer alternativa à “vida do crime”, temerárias porque protegidas pelo “fuzil”, amiúde a tradicional AK-47. Em formato digital ou com o pontual VHS, a dupla registou mais de 200 horas de crime e vida paralela em que se incluem os funerais dos 16 jovens mortos.
Por trás dos 58 minutos exibidos pela Globo há ainda o livro homónimo, que descreve os bastidores da tarefa. Se tudo correr bem, e MV Bill conseguir vender mais uma vez a sua casa, Falcão – O Sobrevivente chega aos cinemas brasileiros em Outubro, tendo como protagonista o único dos meninos que não morreu no período das filmagens. Mas que, por sorte, foi preso.
Pedro Gonçalves
Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.
THOM YORKE
The Eraser
CD XL
Que se saiba à partida que o signatário da prosa considera a dita como um gigantesco desafio e, simultaneamente, uma tremenda demonstração da denominada ironia da vida. O signatário da prosa pertence à sub-humana categoria daqueles que não têm especial consideração estética pelos Radiohead. E, ainda assim, quis partilhar a sua visão do primeiro álbum a solo de Thom Yorke, o eterno vocalista do grupo inglês que, segundo se diz, ficará na História à custa de discos como OK Computer e Kid A. O director do UM é meu amigo. Gosto que lhe escrevam cartas.
Se se pensaria que, em nome individual, Thom Yorke andaria a remexer caixotes para encontrar dejectos não aproveitados pelos Radiohead, o erro não é completo. Em boa verdade, The Eraser junta Thom Yorke a Nigel Godrich, hoje praticamente tão responsável pelo trajecto dos Radiohead como os músicos do colectivo. E, depois, é por demais evidente aquele universo nenhum em que o longínquo ideário pop é penetrado pelos mais narcóticos arremedos electrónicos de microscópicos loops e cirúrgicas ritmias pouco ortodoxas.
Mas The Eraser é como Yorke confessa querê-lo: discreto. Não por acaso, é precisamente por, ao contrário do que acontece nos Radiohead, não ser ostensiva a necessidade de descobrir o que mais ninguém conhece ou chegar ao patamar da “obra do século” que The Eraser se torna gradualmente mais íntimo. O piano e a guitarra pontual, ao lado de canções como “Black Swan”, “And It Rained All Night” e “Cymbal Rush” também ajudam muito. Às tantas até é um disco de canções. Bravo.
Pedro Gonçalves
BOY KILL BOY
Civilian
CD Mercury/Universal
Recomendado a quem não desenvolveu alergia recente ao rock emanado por uns Franz Ferdinand e Kaiser Chiefs, aqui em versão mais inofensiva (“Friday Friday”, “Six Minutes”, “Civil Sin”).
PRIMAL SCREAM
Riot City Blues
CD Columbia/Warner
Se lhe disserem que Bobby Gillespie e companhia fizeram um álbum quase igual a Give Out But Don’t Give In mas muito melhor, faça por acreditar que se trata de uma boa notícia. É que é mesmo, como se lhe fosse acrescentado Bob Dylan, os Clash e… Paulo Furtado (“Nitty Gritty”, “Little Death”, “We’re Gonna Boogie”, “Sometimes I Feel So Lonely”).
HOT CHIP
The Warning
CD EMI
Não obstante a urgência da edição do segundo álbum, os esquizofrénicos londrinos mantêm o exigido equilíbro entre a coisa pop, a electrónica obtusa, os sonhos narcóticos e o humor que não se auto-ridiculariza (“And I Was a Boy From School”, “Colours”, “Arrest Yourself”).
RADIO 4
Enemies Like This
CD EMI
Com amigos destes, não é de estranhar que na História da Música haja apenas uma entrada para os Radio 4, a referente a Gotham!, de 2002. Caso para o proverbial “I’m bored, what’s next?” (“Too Much to Ask For”, “This is Not a Test”, “As Far As the Eye Can See”).
THE FUTUREHEADS
News and Tributes
CD 679
Segundo álbum dos ingleses procura e encontra novos pontos de fuga para o pêlo na venta de balcão de pub. Tudo indica que pelos seus ouvidos passaram belíssimos discos. E inteligentes, também (“Cope”, “Skip to the End”, “Back to the Sea”, “Thursday”).
KING BISCUIT TIME
Black Gold
CD Poptones
A humanidade é uma besta totalmente surda. E Steve Mason, o líder da sublime Beta Band que agora se estreia com um álbum a solo “a sério”, é uma das maiores vítimas desse facto. Black Gold é, obviamente, um tratado em 10 partes intransmissível (“C I Am 15”, “Izzum”, “Kwangchow”, “Way You Walk”).
NO WOMAN NO CRY – A MINHA VIDA COM BOB MARLEY
Rita Marley com Hettie Jones
Livro Casa das Letras
A Rita Marley, a única mulher oficial do imortal rei da música e da cultura jamaicanas, será sempre perdoado o facto de não ser escritora. O mesmo não acontece com Hettie Jones, que em No Woman No Cry tenta contribuir, supõe-se, para a consistência da narrativa assente num assinalável número de episódios, memórias, amor e inspiração. Longe de tratar-se de uma obra capaz de figurar junto das melhores biografias de músicos conhecidas, No Woman No Cry é, fundamentalmente, o desabafo agridoce de quem foi, desde que os Wailin’ Wailers passavam à sua porta a caminho da Studio One de Coxsone Dodd até ao dia da morte de Robert Nesta Marley, sua mulher, mãe, amiga, irmã e fiel depositária de fertilidade.
No Woman No Cry, não obstante conter com naturalidade explicações e referências a numerosas histórias e personagens da cultura jamaicana marcada por Bob Marley – de Coxsone Dodd a Peter Tosh, de Lee “Scratch” Perry a Chris Blackwell –, é sobretudo a narração amiúde demasiado simplista da relação entre um casal que quase nunca o foi. Ao parecer-se, com inesperada frequência, com uma redacção encomendada por uma professora primária, o livro perde estrondosamente a oportunidade de entrar para a categoria das obras seminais decorrentes da música. Se, conforme a própria Rita Marley confessa, muito do mal por que passou se devia à convicção de que a música era a missão do seu marido e o sucesso uma consequência natural dessa missão, o que mais falta faz a No Woman No Cry é, precisamente, a capacidade de sugerir uma banda sonora subliminar para as suas páginas.
Pedro Gonçalves
FALCÃO – MENINOS DO TRÁFICO
de MV Bill e Celso Athayde
Documentário Central Única das Favelas
Se no que toca ao Brasil os relatos relacionados com a criminalidade não são coisa de surpreender, Falcão – Meninos do Tráfico teve um efeito estranhamente pesado quando este ano foi mostrado pela primeira vez na Globo, no programa Fantástico.
A realidade da favela, que Meirelles tratou de democratizar visualmente através de Cidade de Deus, é em Falcão ampliada pela parcimónia de meios e por um teor documental praticamente amoral. A juntar a isso, foi tornado público o facto de, no espaço de dois anos do longo trabalho do rapper MV Bill (na foto) e do produtor Celso Athayde, 16 dos 17 miúdos que funcionaram como alicerce do documentário terem falecido por motivos relacionados com o crime, todo ele filiado no tráfico de droga na favela.
Falcão é o termo que designa os rapazes, alguns com menos de 15 anos, que durante toda a noite fazem vigilância na favela para que o negócio se processe sem sobressaltos policiais. São esses os rostos enconbertos de um documentário que, na impossibilidade de ser encontrado pelas vias tradicionais, está acessível a utilizadores do método de partilha de ficheiros online.
Falcão – Meninos do Tráfico é feito de vozes insensíveis à desgraça, revoltadas pelo abandono paternal, descrentes em qualquer alternativa à “vida do crime”, temerárias porque protegidas pelo “fuzil”, amiúde a tradicional AK-47. Em formato digital ou com o pontual VHS, a dupla registou mais de 200 horas de crime e vida paralela em que se incluem os funerais dos 16 jovens mortos.
Por trás dos 58 minutos exibidos pela Globo há ainda o livro homónimo, que descreve os bastidores da tarefa. Se tudo correr bem, e MV Bill conseguir vender mais uma vez a sua casa, Falcão – O Sobrevivente chega aos cinemas brasileiros em Outubro, tendo como protagonista o único dos meninos que não morreu no período das filmagens. Mas que, por sorte, foi preso.
Pedro Gonçalves
Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.
18 agosto 2006
Paredes de Coura de A a Z (um digest amigo)
A
AMIGOS
Começo isto com uma lamechice do cacete. Nem mais. Se há acontecimento musical onde um gajo encontra amigos, esse acontecimento é o Festival de Paredes de Coura. Pela forma como o festival cresceu, pela militância com que ele é apoiado, o que mais une os amigos em Paredes de Coura é a cumplicidade. O que interessa ali se um gajo é músico, DJ, jornalista, retalhista ou empregado dos têxteis?
B
BAUHAUS
Não estive no Coliseu do Porto há uns meses para vê-los, por isso não sabia que a dada altura se ouviria o histórico “Transmission”, dos Joy Division. Nesse instante aplaudi aquilo que me pareceu o triunfo de uma geração, a que cresceu a ouvir estas e algumas outras bandas. O triunfo dessa geração sobre a voracidade do tempo, sobre a ditadura do que ainda está para vir. Tudo (ou quase tudo) o que os Bauhaus mostraram não é de hoje. Ou pelo menos isso era o que os putos charilas julgavam.
C
CHUVA
Começa a fazer parte da História, ano sim, ano não. Há dois anos foi o dilúvio. Desta vez, começou a tombar quando Morrissey subiu ao palco, acompanhando dois dias depois os concertos dos Cramps e dos Bauhaus. Se quisermos uma perspectiva romanceada da coisa, momentos houve em que a dita fez todo o sentido, como se gerada em amplificadores. E mais: em Paredes de Coura, quando chove ninguém sai de onde está.
D
DOCE
É, simultaneamente, genial e impossível. Lá pelo meio das barracas das comezainas, um modesto carrinho com duas maquinetas quentes debita um cheiro muito próximo do delirante conceito do “cio alimentar”. Uma loucura calórica, a cama ideal para litros de cerveja. Explica-se assim: um crepe quente é enrolado em torno de um chocolate à escolha entre Toblerones, Mars, Kit Kats, etc. Três euros, uma provável dor de barriga e um prazer inimaginável.
E
EAGLES OF DEATH METAL
Um festival sem estas coisas não é a mesma coisa. A mim não me fez grande confusão, uma vez que sou relativamente indiferente ao som que dali vem, mas a falta não anunciada de Josh Homme teve alguma graça. Como se nada fosse, ali estiveram os outros maduros a dar conta da função. E ouve quem tivesse perguntado: “qual deles é o Josh Homme?”… E constou-me que os Eagles of Death Metal gostaram tanto ou tão pouco dos portugas Vicious Five que lhe propuseram uns concertos conjuntos lá pelos Estados Unidos, onde há tempo demasiado andaram os Tédio Boys.
F
FISCHERSPOONER
Se em disco nunca me incomodaram muito, ao vivo confesso que me pareceram uma anedota com alguma piada. Mesmo descontando os fatos de realeza e querubim exibidos por Casey Spooner, a música e todo o conceito estético dos nova-iorquinos cruzam-se para formar um burlesco espectáculo que tem existência para lá da pop e da electrónica. Para o meu amigo Jorge Manuel Lopes, faltam-lhes mais canções. Eu acho que só lhes falta John Cleese.
G
GENTE
Sempre mais e sempre melhor. Quando há uns anos o flagelo conhecido como nu-metal se apoderou de Paredes de Coura, temi pelo que se passaria quando a praga fosse finalmente debelada. Felizmente, hoje vai quem gosta de música, de novidade, de transgressão, de talento, mesmo de memória afectiva. Hoje é comum ver 22 mil pessoas numa noite em Paredes de Coura. Sem os Korn e cagadas do género.
H
HOTEL VALENÇA DO MINHO
Parece um estilhaço de um bairro social dos anos 60 que correu mal. Dificilmente terá conhecido o grafite de um arquitecto. Ao pequeno-almoço, num dia ouve-se uma estação de rádio que toca Ágata e Romana, enquanto no outro se digere uma reunião de venda ambulante de desumidificadores e sofás de massagens na sala ao lado. Entre paredes verde-vómito e cortinados rosa floridos. Os corredores tresandam a ambientador tóxico e ainda há rádios na cabeceira. Com quatro estações: duas bem sintonizadas e outras que misturam as ditas. Lá fora, piscina e court de ténis que viram manutenção quando Salazar caiu da cadeira. Nas traseiras, um bar actualmente fechado e tapado com papel de jornal que, dizem-me, no ano passado ainda albergava a mui nobre profissão de alternadeira. Tão sinistro que conquista o coração. Muito lentamente, claro.
I
IMPERIAL
É uma das grandes companhias nestas ocasiões, como se sabe. Este ano, a Heineken chegou-se à frente e assegurou igual presença nas próximas duas edições do Paredes de Coura. Primeiro, é bom ver alguém correr por fora e ganhar. Segundo, um casamento com duração garantida implica à partida níveis crescentes de exigência entre as partes envolvidas. Ganhamos nós, com toda a certeza.
J
JOÃO CARVALHO
É, digamos assim, o rei de Paredes de Coura. É um belíssimo amigo que representa uma das partes da Ritmos, a empresa que organiza o festival há 14 anos. É um rodas-baixas que cresceu profissionalmente com os anos e que hoje trata todas as situações pelo primeiro nome. É ele próprio uma personagem incontornável nas subidas e descidas da Praia Fluvial do Tabuão.
K
KITTEN
Presença regular no cartaz de Paredes de Coura, DJ Kitten voltou este ano ao after-hours para a sessão incendiária que se lhe conhece. Não o vi desta vez, mas esta letra não é fácil de preencher.
L
LUX INTERIOR
Se alguém não o sabe, que saiba que é o nome artístico do vocalista de sempre dos Cramps. Que, digam lá o que disserem, partiram a loiça toda nesta edição do festival. Ouvi por lá dizer que terá sido um concerto morno. Não sei é o que é que mais se pode pedir a um rocker alegadamente idoso do que debitar vísceras entre as palavras, emborcar uma garrafa de tinto durante a actuação, subir aos monitores laterais do palco e descrever no chão todo o tipo das mais dementes coreografias. A não ser que a sua banda toque “Human Fly”, que não tocou.
M
MORRISSEY
Foi a principal motivação para que o signatário destas linhas fosse a Paredes de Coura este ano. E, como já li, deu aquele que ficará conhecido como o magnífico concerto que terminou com a interrupção de “Panic”. Se é certo que o episódio dá origem a todo o tipo de interpretações, das mais conformadas às mais verrinosas, não é menos verdade que os 80 minutos que ali se passaram confirmaram a excelência, a inteligência, o humor mutante e a voz santa do ex-vocalista dos Smiths. A interrupção de “Panic”, que não é inédita, foi antecedida por um “God bless you, thank you”. Era só o que faltava Morrissey ser o único veterano a não poder gerir o seu espólio como entender.
N
NO DJs
São Nuno Calado e Rui Estevão, ambos da Antena 3. Tiveram a tresloucada gentileza de convidar-me para com eles passar discos na noite de dia 13 e, como imaginava, foi uma pândega daquelas, à moda antiga. O Calado é uma rock star, o Estevão um poço de classe e eu fui um gajo que se passou dos carretos e em estado catalítico fez inimagináveis figuras. Fosse nas tentativas de dançar, fosse na forma possuída como olhava para as centenas de pessoas que se juntaram à frente do palco. Obrigado, é tudo o que digo.
O
OUTROS
Entre aqueles cujos nomes não merecem entrada directa neste alfabeto, há os que interessam mais, os que interessam menos e os que não interessam de todo. Do lado do que interessa, que se coloquem os Vicous Five, os Broken Social Scene ou os seminais Gang of Four (o escavacar do micro-ondas vai fazer História). Do outro estão inevitavelmente os chatíssimos Gomez, os inodoros Madrugada ou os vulgaríssimos White Rose Movement. No meio ficam os Bloc Party, que são muito melhores ao vivo do que em disco mas que vivem a glória de uma-canção-uma que é boa e que uma empresa de telecomunicações tratou de transformar no hino da igualdade entre todos os povos ouvintes do mundo dito ocidental.
P
PROMOTORES
Ao que parece, a união entre a Ritmos e a Tournée corre bem e é para durar. São as duas empresas que hoje organizam o Festival de Paredes de Coura e são, o que não é novidade para ninguém, feitas de gente que gosta de música, que dá importância à música e que percebe que a fidelidade de um público destes não é de geração espontânea, alimenta-se.
Q
QUEM
Os freaks, os góticos, os billys, as pessoas perfeitamente normais, os espaanhóis loucos por Morrissey, todos foram a Paredes de Coura este ano. Há os costumeiros rituais, há o mosh pontual, mas sobretudo há um aglomerado de formas de estar que tem como base a intensa relação com a coisa musical. Em Paredes de Coura, toda a gente sabe por que lá vai. Melhor: por quem lá vai.
R
REGRESSO
Não me refiro ao dos !!! ou ao dos Yeah Yeah Yeahs, mas ao meu. Um ano sem lá ir fez-me sentir a sua falta.
S
SIC RADICAL
Quando se vê a forma como a MTV marca presença num festival como o de Paredes de Coura, não deixa de acorrer à lembrança algumas das pessoas que a Radical lá levava para encarar a música a sério.
T
!!!
Aqui estive em gritante desvantagem perante quem esteve no festival em 2005. Não faço ideia de como foi o concerto destes norte-americanos há um ano, que todos descrevem como avassalador, mas o que nesta edição se passou não foi menos do que… avassalador. São uma fábrica de fazer dançar e são-no de uma forma tão natural e biológica que se estranha. Ele é a percussão a duplicar, ele é a performance vocal e de liderança também a duplicar, ele é uma capacidade de provocar agitação de fazer inveja aos mais radicais cientistas do electro. Em Paredes de Coura, todos o sabem, há bandas-fétiche. Os !!! garantiram em 2005 esse estatuto.
U
UM
É o tal jornal gratuito de que aqui já falei e que esteve em barda pelo festival minhoto. Coincidentemente, e por razões diversas, esteve lá também quase toda a gente que o faz. Mas o que interessa é que já foi folheado e lido. Voltamos em Setembro.
V
VIPs
Este é um conceito que nunca existiu em Paredes de Coura. VIPs, como se sabe, não comem sandes, rissóis, croquetes e pastéis de bacalhau. Viajam normalmente em turbas organizadas para serem fotografados em áreas criadas para o efeito. Em Paredes de Coura, valoriza-se mais quem ali vai traabalhar ou quem, ao longo dos anos, foi publicamente estabelecendo com o festival uma relação de amor inquebrável. Sempre que há música no palco de Paredes de Coura, quem tem a pulseira denominada VIP acotovela-se junto à varanda para ver os espectáculos. É incrível como até aqueles VIPs gostam de música.
W
WE ARE SCIENTISTS
Com uma mudança de planos no que aos horários diz respeito, passaram para o final de serão. É rock de curioso recorte, com mais matéria do que uma canção como “Nobody Move, Nobody Get Hurt” pode sugerir. O que tem piada, a confirmar-se, é o facto de terem estado junto ao palco durante o concerto dos Bloc Party a fazer o pagode na cara dos ingleses. Ao que parece, por considerarem que nada mais têm do que uma canção.
X
X-WIFE
Quis o destino que também nesta letra me cruzasse com João Vieira (DJ Kitten). Pouco vi dos X-Wife. Estava muita gente junto ao palco after-hours, mas mais considerações são pura especulação.
Y
YEAH YEAH YEAHS
Estiveram longe do efeito provocado na estreia, há dois anos. Mas, ao mesmo tempo, aliam maior serenidade a superior consistência. Karen O não fez o número do ananás nem puxou dos galões da proverbial badalhoquice. Não foi memorável, mas foi muito bom.
Z
ZÉ PEDRO
Com um único concerto e uma dezena de ensaios no currículo, subiu ao palco o mais recente super-grupo de produção portuguesa. Fred, Pedro Gonçalves (o outro), Alexandre Soares e Jorge Coelho são os parceiros de Zé Pedro nos Maduros, um combo que existe porque não vive sem misturar as experiências recolhidas por onde cada um tem andado. É visível o espírito de jam session, o prazer da experiência. Como é visível que a maior debilidade do colectivo reside nas naturais limitações vocais do guitarrista dos Xutos & Pontapés, inexcedível na entrega mas menos folgado em recursos.
Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.
13 agosto 2006
Foi num domingo a tarde
Descontando a ausência de acentuação com que o blogger habitualmente me presenteia nos títulos, são estas as palavras que agora ecoam, como na dolente canção a que João Peste dá voz.
Os No DJs, que é como quem diz Nuno Calado e Rui Estevão (da Antena 3), fizeram a fineza de convidar-me para com eles alinhar discos para tocar no palco after-hours do Festival de Paredes de Coura. Este domingo é, portanto, dia de viagem e noite de folia entre amigos, privilégio do cacete para quem há muito vem relativizando o número de amigos.
Por coincidência cósmica, Paredes de Coura é o festival que me encanta verdadeiramente entre todos os que abundantemente preenchem este quinhão da Europa. É o festival de quem gosta realmente de música e que ali sacia também a paixão por um ambiente mais do que acolhedor em cenário mais do que puro. Além disso, Morrissey está lá na terça-feira, facto que para mim dispensa acrescentos.
Será uma tarde de entusiasmo, esta de domingo. Ainda para mais porque, além do que já disse, ali encontrarei boa parte do núcleo do UM, o novíssimo jornal gratuito que hoje trouxe da Fnac Colombo e em relação ao qual se confirma aquilo que antevira: paixão pela coisa musical e capacidade de escrever sobre ela para lá do que os olhos mostram. Volto lá para sexta-feira.
Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.
09 agosto 2006
iFod
O universo dos gadgets é, por definição, um universo masculino. Não é preciso elaborar muito em torno do assunto, bastando pensar em publicações dedicadas à matéria, como as revistas Stuff ou T3. Invariavelmente, as capas dessas publicações têm uma fotografia de moças em traje de praia ou equivalente.
Graças à intervenção de um atento participante do Forum Sons, tive conhecimento da existência de um gadget maravilhoso que, digo eu, se destina sobretudo ao sexo feminino. É um lindíssimo aparelho com o formato de um proverbial estimulador sexual que, ligado ao iPod, vibra ao ritmo da música que se ouve. Chama-se OhMiBod.
As mulheres bem podem queixar-se de serem parentes pobres na indústria dos gadgets, mas com este ficam a ganhar aos pontos até nova invenção. As amigas já podem pensar num Natal mais aconchegado.
Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.
Um. Um? Um.
Não querendo retirar um mililitro do protagonismo e da importância que a prosa anterior inegavelmente encerra, servem estas palavras para dizer que, fosse eu o estimado leitor, estaria muito atento a uma publicação que vê esta semana a luz do dia pela primeira vez.
É gratuita e distribuída em larga dose nas lojas FNAC. Vai também andar em Paredes de Coura. É quinzenal. É dedicada à música e artes circundantes e concentrada no que se esconde para lá do domínio comum, ou seja, por norma tudo o que realmente interessa. É - imagine-se a loucura, a ousadia, a desfaçatez! - um jornal. É, sem tirar nem pôr, a reunião de um núcleo de preciosos amantes da coisa musical e da escrita sobre ela. Chama-se Um.
Está feito o aviso.
Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.
02 agosto 2006
Começa a borbulhar...
Eu, se fosse ao gentil leitor, e sobretudo se vivesse na área da Grande Lisboa (particular ênfase nos concelhos de Oeiras, Sintra e Cascais), estaria atento ao que começa a formar-se no éter em 105.4 FM. Chama-se Química. Se um destes dias o estimado leitor assistir ao regresso deste pequenito amigo ao meio rádio, isso não é uma avaria, é o que tem que ser.
Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.
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