30 janeiro 2007

Esquerda! Volver!



Estávamos em 1996 e, como não será difícil de assimilar, um novo álbum dos Cure não era exactamente a notícia mais estimulante do mundo. O caso era, digamos assim, visto como mais um exemplo do arrastamento do grupo inglês num deserto de alegada irrelevância estética. Fui, na ocasião, destacado pelo finado Blitz-jornal para uma deslocação a Bath, a Oriente de Londres, para entrevistar o grupo a propósito do então novel Wild Mood Swings.

Naturalmente, Wild Mood Swings fez tudo menos História. Surpreendia, no máximo, pelo imaginário mariachi sugerido por "The 13th", mas não muito mais do que isso (é bem provável que tenha escrito coisa diferente em 1996, mas as oscilações de opinião constituem um dos factores mais interessantes do relacionamento do melómano com a coisa amada). O que ficou, pelo menos, na minha História foi a experiência que essa viagem significou.

Em traços pouco exaustivos, direi que a deslocação envolveu: viagens de Jaguar com motorista entre Londres e Bath; a constatação de que era eu o único jornalista europeu não avisado do adiamento de todas as entrevistas ao grupo; um jantar de última hora com a banda (Robert Smith à esquerda, a sua mulher, Mary Poole, em frente) numa sala medieval da impressionante mansão/palácio de Jane Seymour nas imediações frondosas de Bath; uma entrevista de uma hora a Robert Smith acompanhada por um magnífico cognac. Dito assim, talvez pareça coisa pouca. Foi tudo menos coisa pouca.

Alguns 10 anos mais tarde, talvez em 2005, fui com amigos ao bar LEFT, em Santos, Lisboa. Tratava-se, e ainda se trata, de projecto recente e munido daquele ideário clean que tão bem fica nas páginas da Wallpaper mas que amiúde consegue provocar genuíno desconforto nos visitantes. Mas não, o LEFT não é como aquelas sapatarias-cabeleireiro-bar-loja gourmet-bilheteira de espectáculos-loja de electromésticos-escritório de advogados-clínica veterinária onde o freguês é presenteado com um ambiente que lhe grita: "Não tens pinta para isto".

Nessa ocasião, num dia útil, o LEFT tinha pouca gente. Uma das caras era-me vagamente familiar mas, como normalmente, não fazia a mais pálida ideia de onde. Felizmente, o dono do rosto, mais expedito do que eu, acercou-se e perguntou-me se não era o Pedro Gonçalves. Que há uns anos tinha viajado para Londres sentado, no avião, ao lado de alguém que meteu conversa para falar sobre música. Fez-se luz. Lembrava-me, de facto, desse episódio em que o meu interlocutor, apaixonado pelas coisas motorizadas com duas rodas, ia fazer prospecção de material na capital inglesa. O Jorge Santos, que é de quem falo, era afinal um dos donos do LEFT.

Muita e boa conversa depois, fui desafiado e passar uns discos naquele magnífico espaço. Coisa que, até à data, fiz diversas vezes com especial prazer. Excelente ambiente, bom som, magníficas condições para quem selecciona discos. O LEFT espelha, além do tal ambiente clean de inquestionável bom gosto, o respeito e dedicação que o Jorge Santos tem face à coisa musical (juntemos a essa qualidade a sua imaculada educação). DJs (nada de estrelas) de toda a parte e bandas realmente importantes passaram pelo LEFT em menos de dois anos. Até que ontem à noite o Jorge Santos me deixou no telemóvel uma mensagem que dava conta de uma ordem de encerramento do bar (e, menos importante, o adiamento por tempo indeterminado de uma sessão de yours truly marcada para esta quarta-feira).

Com a ajuda de outro amigo, meu e do LEFT, descubro isto: "O Left Bar, recebeu no passado dia 26 de Janeiro de 2007, uma ordem de encerramento assinada pelo vice-presidente da câmara de Lisboa, Fontão de Carvalho, que foi constituído arguido, no dia 25 de Janeiro de 2007 pelo Ministério Público no processo de permuta de terrenos do Parque Mayer e da Feira Popular". Sem espinhas. Ao que parece, o problema é o proverbial excesso de decibéis emitidos. Estou nesta altura a escrever estas linhas porque gosto destas histórias que se cruzam e entrecruzam, destes reencontros que fazem pensar na existência do fado/destino. Por isso mesmo, serei um dos muitos dispostos a muito para que o LEFT não feche as portas em definitivo.

Não sou crente em formas de manifestação como abaixo-assinados, petições, "vaquinhas" e por aí adiante. Mas desta vez assinei uma petição online. O que é realmente necessário é que a importância de um espaço como o LEFT seja devidamente assimilada por quem ordenou o encerramento. Isto faz-me pensar que o LEFT, bem como a Santos Design District – Associação Empresarial do Bairro de Santos, não amaciou devidamente as mãos de uma ou outra criatura da edilidade.

Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.

29 janeiro 2007

Como diria Farinha Master... Muito obrigado.



Nunca fui especialmente dado a clubes, filiações, associações, agremiações e corporações. Os clubes de que faço parte são, no entanto, portentosos em dimensão, em influência, em vitalidade e acção social. É esse, por exemplo, o caso do Sport Lisboa e Benfica e do Automóvel Club de Portugal.

Por estes dias há, porém, um novo clube pronto a receber-me. É um clube informal, sem vínculos, uma coisa que nada tem de oficial. É o clube dos portugueses que sentem o cheiro do limiar da pobreza. Nunca é tarde para conhecer novos mundos.

Não quero, sobretudo, deixar passar esta ocasião sem fazer um agradecimento, mesmo que genérico. Quero, nesta ocasião, agradecer a todos quantos tornaram possível este facto. Em especial às entidades, individuais ou colectivas, que ao longo de um período assinalável não responderam às ideias e propostas que apresentei. Nada. Para esses, especialmente aqueles com quem me relacionei durante bons anos, reservo um espaço no meu coração.

Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.

P.S.: Talvez depois por aqui fale de música nova, que este 2007 está que nem ginjas: The Good, The Bad & The Queen, The View, Klaxons, Maccabees...

15 janeiro 2007

Abre a pestana-tana



Não sei como nem como me deparei com o apreço que nutro pelo chamado nonsense, pelo disparate inusitado, pelo absurdo imiscuído nos assuntos tidos como sérios.

Um universo onde essas bizarrias se dão particularmente bem é o da política. Como normalmente está lá longe, distante da minha vida real, a política pode ser tratada com a irresponsabilidade de quem a ela nada dá e dela nada recebe. Uma vez, numas eleições autárquicas e na sequência de uma directa em casa de amigos, fui votar. Votei no MUT (Movimento para a Unidade dos Trabalhadores), porque havia que premiar uma campanha eleitoral que na televisão envolvia momentos do mais genuíno vídeo amador.

Isto vem a propósito da iniciativa da RTP "Os Grandes Portugueses". É algo de tão vital para a vida real como a política, daí o que atrás foi dito. Num projecto desta envergadura social e cultural, não podia ficar de fora o absurdo que a todos anima. Fiquei a saber, e depois confirmei, que Hélio Pestana, que dizem ser actor e cuja fotografia se exibe, consta da lista dos primeiros 100 no percalço do título. Sinceramente, acho fantástico que alguém tenha passado o absurdo das boas intenções para a prática. Há mais quem espelhe esta bonita realidade paralela, votando em nomes como Carlos Lopes, Cristiano Ronaldo, Herman José, Irmã Lúcia, Joaquim Agostinho, Jorge Nuno Pinto da Costa, José Hermano Saraiva, José Mourinho, José Sócrates, Luís Figo, Maria do Carmo Seabra (número dois no ranking do absurdo), Mariza, Ricardo Araújo Pereira (número três no mesmo ranking), Rosa Mota e Vítor Baía (número quatro). Mas nenhum supera, em imponência, o estonteante Hélio Pestana.

Para que nada falte, aqui fica a biografia de Hélio Pestana publicada no site do programa da RTP:

"Hélio Pestana é um jovem: vinte e uma primaveras apenas. A 25 de Maio de cada ano (um minuto depois da meia noite, hora a que nasceu) fica menos jovem e, provavelmente, recebe inúmeras mensagens por sms e email de embevecidas jovens fãs, cilindradas pela sua meteórica e minimal carreira na ficção televisiva nacional. Enquanto estuda arquitectura, participa em várias novelas, dobrou um desenho animado (o carro de corridas Chick Hicks, do filme de animação da Disney/Pixar – “Carros”) e venceu a 2.ª eliminatória da 2.ª edição de “Dança Comigo”. Não é de crer que repita esta vitória neste programa, mas toca piano e, talvez, fale francês. Diz que «às vezes» se sente «um mártir». Esperamos que não seja o caso".

Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.

Que espaço tem o meu espaço?



Já mais do que uma vez tinha feito pausas de alguns segundos para tentar perceber o que havia, afinal, no MySpace que não me agradava, que me provocava de tempos a tempos algum incómodo e desconforto. Passe o exagero, há qualquer coisa no MySpace que engana o algodão.

Talvez gastando uns segundos mais do que eu, K-Punk coloca a coisa de forma eloquente e virada para a luz, como se quer, no número 17 (Dezembro 2006/Janeiro 2007) da excelente e gratuita revista Fact. O problema do MySpace é, afinal, o de tantos outros fenómenos: a sacralização da mediocridade. E a legitimização disso mesmo.

Transcrevo aqui o último parágrafo da prosa, na língua original do autor:

"MySpace feeds into the over-promotion of pop. With the collapse of the old pop media, pop journalism is increasingly dominated by advertorial. Far from producing excitement, the tyranny of ubiquitous promotion - five star reviews and "lifetime achievement awards" handed out like free gits in cereal packets - has a curiously delibidinizing effect. Handily for record companies, which find it far easier to hunt out new and strange forms, over-promotion has the effect of legitimising and normalising mediocrity. Let's face it, a culture in which Razorlight have a recording contract, let alone a number 1 single, is a culture in which mediocrity rules".

Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.

Zoot #5

A quem puder interessar:

Na revista Zoot #5, número de Inverno 2006/2007, este que escreve assina uma entrevista aos Dead Combo. É uma estreia na publicação de textos em inglês. Há falhas no resultado final, digo já. Foram, nitidamente, falhas informáticas.

Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.

Zero



As explicações, com a dignidade que o autor sempre detém, estão logo a encabeçar o blog A Vítima Respira?, do Jorge Manuel Lopes. Limito-me aqui, obviamente, a anunciar que o UM, o jornal quinzenal gratuito para o qual orgulhosamente colaborei, suspendeu a sua actividade.

Já por aqui tinha feito devida vénia ao conjunto de pessoas que ao longo dos últimos meses fez um jornal, dedicado à música e às artes fronteriças, com matéria para ler (de facto). O homem do leme foi, até aqui, o Jorge Manuel Lopes, um dos melhores jornalistas da coisa cultural que o país alberga.

O Jorge Manuel Lopes faz no seu blog com elegância e naturalidade aquilo que aqui nunca fiz descaradamente: diz que está agora à procura de trabalho. Já somos uns quantos a fazer parte de uma situação tão absurda que quase se torna humorística. A história da falência por aparente imprudência volta a repetir-se, desta vez com a marca da Porto Eventos, detentora da publicação.

Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.

11 janeiro 2007

Vamos ver o Raul



Ainda que não tenha propensão natural para encontrar com facilidade o lado bom daquilo que só parece mau, esta recente quarentena do meu estimado computador resultou, para já, em algo que creio ser importante.

Ao ter que, novamente, converter em formato digital uma quantidade interessante de discos que têm (porque têm) que estar no computador, recordo-me do que foi o ano que acabou em matéria musical e, sobretudo, em matéria de canções.

Assim me tinha ocorrido a dos Teddybears já enunciada. Surgiu-me agora outra, uma daquelas canções grandiosas. No caso, trata-se do colectivo The Automatic, de Cardiff, País de Gales (apenas um dos numerosos contribuintes para um ano de generosa colheita no Reino Unido).

Chama-se a canção "Raoul" e está no álbum de estreia da banda, Not Accepted Anywhere. Em quase todo o álbum, os Automatic são uma interessante criação vinda do ponto em que se cruzam veias punk com artérias saturadas pelo rock de 1980 e por uma electrónica de Casiotone.

Como no caso anterior, basta aceder ao MySpace dos Automatic e esperar que o player faça o resto. O original é melhor do que a versão de 2007 que lá está.

Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.

10 janeiro 2007

Punks e Ursos de Peluche



É uma das canções monumentais do ano passado. Mas como os Teddybears não constam dos balanços com origem portuguesa, aqui se reconstrói a justiça.

Os Teddybears são suecos, tão suecos quanto uns I'm From Barcelona, The Knife ou El Perro Del Mar. Ou seja, são dos que contribuíram para que a Suécia voltasse a marcar um porradão de pontos no universo pop dito alternativo de 2006.

A canção em concreto chama-se "Punkrocker" e é um épico instantâneo, um clássico à primeira audição. É feito de um rock que, é verdade, tanto pode lembrar uns Sisters of Mercy quanto um Iggy Pop. Na realidade, a "Iguana" participa na canção, dá-lhe voz, eleva-a ao divino quando canta, no refrão, "Well I'm a punk rocker, yes I am".

Aqui fica o link para o talhão dos Teddybears no MySpace. Depois é só esperar que o player faça o resto para ouvir "Punkrocker".

Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.

09 janeiro 2007

Faz de conta que nada se passou



É fazer as contas. Assim por alto, foi um mês e pouco sem computador. O Pedro Gonçalves, o dos Dead Combo, ressuscitou-o. Não é um computador qualquer e o estimadíssimo leitor sabe disso.

Meteu-se Natal, Ano Novo, balanços, essas coisas, e nem uma linha nova aqui depositada. Por uma questão prática, em boa parte graças à morte de um disco rígido, vou fazer como se nada tivesse acontecido. Vou escrever daqui para a frente.

Até já, então.

Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 Pouco Mouco.