14 julho 2007
Cerebrum Mais
Não vale a pena dizer muito sobre isto. São sete minutos de delícia, de uma sabedoria que se desenha entre o mais rasteiro e o praticamente transcendente.
É David Caruso no papel de Horatio Caine (CSI Miami), um dos mais fabulosos agentes policiais canastrões de sempre, com as suas proverbiais tiradas telegráficas imediatamente antes do genérico ao som de "Won't Get Fooled Again", dos Who.
Para mim, que reconheço no homem um incontornável e reconfortante teor azeiteiro (ausente, por exemplo, de Gil Grissom de Las Vegas e de Mac Taylor de Nova Iorque), é um pitéu. Como o homem teria ficado bem ao lado de Don Johnson e Philip Michael Thomas em Miami Vice...
Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.
10 julho 2007
Desculpe, eu sei que é de borla, mas que língua é essa?
Algo que aprecio com algum afinco é o conceito do jornal gratuito. Em boa parte porque não parece fazer sentido pagar pelo jornalismo excrementício que de modo generalizado se difunde em Portugal, cortesia de políticas editoriais e salariais que amiúde deixam de fora os melhores do ofício.
E se, durante muito tempo, não tive oportunidade de realizar percursos pedonais onde se amontoam os meninos e meninas das camisolas coloridas, panamás e promoções (actualmente, são quatro títulos a competir pelo leitor, sendo um deles desportivo), no momento presente sou agraciado todos os dias com todos os exemplares que quiser de todas as publicações em causa.
Praticamente todos os dias consigo imaginar cenas de pancadaria, conspiração e traição entre os mais diversos ardinas destes novos veículos de comunicação de digestão rápida. Imagino cascas de banana ou, no limite, minas anti-pessoais no caminho desses ardinas, com companheiros de profissão escondidos atrás de árvores esperando o momento do traumatismo ou da liminar explosão para de lá saírem e, com um sorriso, dizerem "bom djia" com um jornal em riste para oferecer.
Isto tudo a propósito do anúncio acima mostrado, tal como saiu na edição de terça-feira do Metro. É que senti necessidade de falar com o leitor, de dar-lhe uma explicação, de dizer-lhe que raio de coisa vem a ser esta. Estimado leitor: apesar de parecer dirigir-se a si, o anúncio em causa não é para si. O leitor não será certamente mentecapto e saberá que, não sendo pago, um jornal gratuito vive, essencialmente, da publicidade que angaria (e aqui não incluo as garrafas de água com gás ou os mini-pacotes de batatas fritas que de vez em quando acompanham a leitura e que também são fonte de graveto).
Assim, quando o Metro diz "623 mil vezes obrigado!", está na realidade a dizer: "senhores anunciantes: parecendo que estamos a agradecer a gentileza dos nossos leitores, estamos, na realidade, a dizer-lhe que somos os maiores e que, por isso mesmo, é aqui que deve anunciar e não num dos outros diários gratuitos". Mais: achará o distinto leitor que, ao mencionar coisas como "circulação" e "audiência", está o jornal a falar a sua língua? Saberá o cidadão distinguir uma coisa da outra ou, tão somente, definir cada uma delas? Calculei.
No fundo, caríssimo leitor, venho por este meio apenas dar-lhe uma triste notícia: não são poucas as vezes em que o seu jornal preferido ocupa espaço a falar para toda a gente menos para si. Não se queixe, apesar de tudo. É de borla.
Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.
05 julho 2007
"And her hearing aid started to melt..." Vol. XVII
Sonotone do dia:
Maps: We Can Create (Maio 2007)
Veredicto:
O que acima se encontra é um excerto do textículo com que a Mute Records apresenta o projecto Maps, existência praticamente solitária pensada e concretizada por James Chapman num qualquer quarto de Northampton, Inglaterra. A prosa, escrita certamente por alguém que não exerce funções na editora - é uma questão de abertura mental, de capacidade de partir da música para visões abstraccionistas do mundo -, é sugestivamente vazia de conteúdo.
De resto, música como a faz James Chapman é ela própria de tal forma arejada que muita gente haverá que a sente vazia, apenas alicerçada nas brisas ocasionais que deambulam entre névoa electrónica e estilhaços de canções pop. Outras pessoas, por seu turno, fazem o costumeiro exercício de biotecnologia virtual: imaginemos a combinação genética de elementos resgatados aos Spiritualized e aos My Bloody Valentine, mais doses não desprezíveis dos Four Tet e Boards of Canada. Assim reza o All Music Guide, por exemplo.
Ter passado pela década de 80 e crescido a ouvir a música pop que desde então floresceu sob os mais diversos matizes é, muito provavelmente, condição necessária para não sentir que a um disco como We Can Create, o primeiro dos Maps, falta toda a tangibilidade que se exige à arte contemporânea, a ligação ao quotidiano, o odor a mundano, os traços meticulosamente toscos da cultura de rua. Para quem, no entanto, se habituou a fazer conviver na cavidade auditiva as mais desbragadas goluseimas pop com um sentimento mais negro assente na ideia de que toda a arte nasce do sofrimento, os Maps são afinal coisa familiar.
Já por aí há quem diga que We Can Create falha por ser obra relativamente inofensiva, onde nada acontece acima ou abaixo de duas linhas de segurança. A falha, porém, é de quem não consegue instalar-se entre essas duas linhas e aí, de olhos cerrados, fazer viagens intercontinentais sucesssivas de 52 minutos de duração. We Can Create é, sem espinhas, um álbum a figurar naqueles inventários de final de ano. Mais urgente é, no entanto, decretar "You Don't Know Her Name" a canção oficial do Verão 2007. Por muito saloia que essa ideia hoje possa parecer.
84,5% de satisfação garantida.
Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.
Maps: We Can Create (Maio 2007)
Veredicto:
Maps started at the end. The end of the night, the end of the music. When the last beat was dropped and the needle finally slipped off the groove, a lost soul began drifting through empty Northampton streets in the vague direction of home. Alas, he never arrived. For it was during his euphoric twilight stumble that this particular ending gave way to a bright new beginning; it was here, in the half light of a joyously desolate Sunday morning, that Maps made itself exist. Spinning through Earth's orbit, he was the first audionaut of our generation.
O que acima se encontra é um excerto do textículo com que a Mute Records apresenta o projecto Maps, existência praticamente solitária pensada e concretizada por James Chapman num qualquer quarto de Northampton, Inglaterra. A prosa, escrita certamente por alguém que não exerce funções na editora - é uma questão de abertura mental, de capacidade de partir da música para visões abstraccionistas do mundo -, é sugestivamente vazia de conteúdo.
De resto, música como a faz James Chapman é ela própria de tal forma arejada que muita gente haverá que a sente vazia, apenas alicerçada nas brisas ocasionais que deambulam entre névoa electrónica e estilhaços de canções pop. Outras pessoas, por seu turno, fazem o costumeiro exercício de biotecnologia virtual: imaginemos a combinação genética de elementos resgatados aos Spiritualized e aos My Bloody Valentine, mais doses não desprezíveis dos Four Tet e Boards of Canada. Assim reza o All Music Guide, por exemplo.
Ter passado pela década de 80 e crescido a ouvir a música pop que desde então floresceu sob os mais diversos matizes é, muito provavelmente, condição necessária para não sentir que a um disco como We Can Create, o primeiro dos Maps, falta toda a tangibilidade que se exige à arte contemporânea, a ligação ao quotidiano, o odor a mundano, os traços meticulosamente toscos da cultura de rua. Para quem, no entanto, se habituou a fazer conviver na cavidade auditiva as mais desbragadas goluseimas pop com um sentimento mais negro assente na ideia de que toda a arte nasce do sofrimento, os Maps são afinal coisa familiar.
Já por aí há quem diga que We Can Create falha por ser obra relativamente inofensiva, onde nada acontece acima ou abaixo de duas linhas de segurança. A falha, porém, é de quem não consegue instalar-se entre essas duas linhas e aí, de olhos cerrados, fazer viagens intercontinentais sucesssivas de 52 minutos de duração. We Can Create é, sem espinhas, um álbum a figurar naqueles inventários de final de ano. Mais urgente é, no entanto, decretar "You Don't Know Her Name" a canção oficial do Verão 2007. Por muito saloia que essa ideia hoje possa parecer.
84,5% de satisfação garantida.
Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.
03 julho 2007
"And her hearing aid started to melt..." Vol. XVI
Sonotone do dia:
The Thrills: Teenager (Julho 2007)
Veredicto:
Não deverá ser fácil ser um aluno bem comportado quando a pressão social empurra para uma vida de bully. Nesta mesma lógica, não será fácil, perante a pressão para ser cool, assumir uma postura que, mais do que genuína, é verdadeiramente old fashioned nos objectivos que procura atingir.
Assim se explica que boa parte da produção britânica recente, precisamente a parte que tem como preocupação essa sinistra actividade de fazer "canções bonitas", tenha pouco que ver com epicentros históricos como Londres ou Manchester.
Esquecendo temporariamente que também os U2 dali vêm, transportamo-nos nesta ocasião para Dublin, Irlanda, para receber o terceiro álbum dos Thrills. E os Thrills, que podiam ser galeses ou escoceses pela indiferença perante alguns ditâmes estanques, não mais fazem do que belíssimas canções que poderiam acompanhar criações como as de Enid Blyton.
Salvo inesperado volte-face, os Thrills têm já o seu pedaço de céu assegurado por "Big Sur", incluída em 2003 no álbum de estreia, So Much for the City. Não precisariam de fazer mais qualquer canção, tamanho o descaramento com que aí se apropriaram de uma pop solarenga com patente registada na Califórnia para construir uma pequena peça de eternidade.
Não pensando dessa forma, o colectivo de Conor Deasy prepara-se para dar à estampa o seu terceiro álbum, Teenager, cujo título não deixa muitas dúvidas sobre o que encontrar no interior: combinações electro-acústicas uptempo que desenham estilhaços de felicidade, mesmo que apenas uma felicidade desejada, nunca concretizada.
Os Thrills continuam a ser só isto: uma banda despeitada porquanto é indiferente a comparações, uma banda terapêutica porquanto proporciona o contacto com realidades paralelas ao cinzento escuro, uma banda que não acorda a meio da noite a pensar se o sucesso viral no MySpace a fará ganhar a guerra da relevância estética em 2007. E é por isso mesmo, por se estarem manifestamente nas tintas para os riffs de guitarra que proporcionam orgasmos múltiplos na redacção do NME, que os Thrills são um docinho valioso.
75,8% de satisfação garantida.
Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.
The Thrills: Teenager (Julho 2007)
Veredicto:
Não deverá ser fácil ser um aluno bem comportado quando a pressão social empurra para uma vida de bully. Nesta mesma lógica, não será fácil, perante a pressão para ser cool, assumir uma postura que, mais do que genuína, é verdadeiramente old fashioned nos objectivos que procura atingir.
Assim se explica que boa parte da produção britânica recente, precisamente a parte que tem como preocupação essa sinistra actividade de fazer "canções bonitas", tenha pouco que ver com epicentros históricos como Londres ou Manchester.
Esquecendo temporariamente que também os U2 dali vêm, transportamo-nos nesta ocasião para Dublin, Irlanda, para receber o terceiro álbum dos Thrills. E os Thrills, que podiam ser galeses ou escoceses pela indiferença perante alguns ditâmes estanques, não mais fazem do que belíssimas canções que poderiam acompanhar criações como as de Enid Blyton.
Salvo inesperado volte-face, os Thrills têm já o seu pedaço de céu assegurado por "Big Sur", incluída em 2003 no álbum de estreia, So Much for the City. Não precisariam de fazer mais qualquer canção, tamanho o descaramento com que aí se apropriaram de uma pop solarenga com patente registada na Califórnia para construir uma pequena peça de eternidade.
Não pensando dessa forma, o colectivo de Conor Deasy prepara-se para dar à estampa o seu terceiro álbum, Teenager, cujo título não deixa muitas dúvidas sobre o que encontrar no interior: combinações electro-acústicas uptempo que desenham estilhaços de felicidade, mesmo que apenas uma felicidade desejada, nunca concretizada.
Os Thrills continuam a ser só isto: uma banda despeitada porquanto é indiferente a comparações, uma banda terapêutica porquanto proporciona o contacto com realidades paralelas ao cinzento escuro, uma banda que não acorda a meio da noite a pensar se o sucesso viral no MySpace a fará ganhar a guerra da relevância estética em 2007. E é por isso mesmo, por se estarem manifestamente nas tintas para os riffs de guitarra que proporcionam orgasmos múltiplos na redacção do NME, que os Thrills são um docinho valioso.
75,8% de satisfação garantida.
Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.
Decisões
Terá o distinto freguês reparado já que a actualização não é hoje o que era neste espaço. Não lhe será estranho, se segue minimamente o que aqui se vai dizendo e fazendo, que o facto se deve a questões relacionadas com a gestão do tempo e da disponibilidade mental.
Assim, e para que o blog não definhe até ao passamento absoluto, decidi recuperar, para engorda, o espaço And her hearing aid started to melt..., tão somente a secção onde são colocadas prosas sobre este ou aquele disco, preferencialmente discos novos.
1 Pouco Mouco é, portanto, um blog cada vez menos jornalístico, se é que alguma vez o foi. Simplesmente, e para não passar directamente da inútil arte de querer informar à desprezível actividade de exibir-me ao mundo (regra que parece nortear 3/4 da blogosfera), aqui deixarei coisas a meio-caminho entre uma coisa e outra.
A crítica, diz-se, está em desuso. Ora ainda bem. Façamos crítica, nem que seja pelo sabor vintage daquilo que lembra os dias em que o jornalismo sobre música tinha qualquer coisa de romântico e aventureiro.
Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 Pouco Mouco.
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