24 agosto 2006

1 Pouco Mouco @ UM #0.5

Honesta contribuição para a edição 0.5 do gratuito quinzenal UM, número de ensaio do que em Setembro sai à rua:

Thom Yorke

THOM YORKE
The Eraser
CD XL
Que se saiba à partida que o signatário da prosa considera a dita como um gigantesco desafio e, simultaneamente, uma tremenda demonstração da denominada ironia da vida. O signatário da prosa pertence à sub-humana categoria daqueles que não têm especial consideração estética pelos Radiohead. E, ainda assim, quis partilhar a sua visão do primeiro álbum a solo de Thom Yorke, o eterno vocalista do grupo inglês que, segundo se diz, ficará na História à custa de discos como OK Computer e Kid A. O director do UM é meu amigo. Gosto que lhe escrevam cartas.
Se se pensaria que, em nome individual, Thom Yorke andaria a remexer caixotes para encontrar dejectos não aproveitados pelos Radiohead, o erro não é completo. Em boa verdade, The Eraser junta Thom Yorke a Nigel Godrich, hoje praticamente tão responsável pelo trajecto dos Radiohead como os músicos do colectivo. E, depois, é por demais evidente aquele universo nenhum em que o longínquo ideário pop é penetrado pelos mais narcóticos arremedos electrónicos de microscópicos loops e cirúrgicas ritmias pouco ortodoxas.
Mas The Eraser é como Yorke confessa querê-lo: discreto. Não por acaso, é precisamente por, ao contrário do que acontece nos Radiohead, não ser ostensiva a necessidade de descobrir o que mais ninguém conhece ou chegar ao patamar da “obra do século” que The Eraser se torna gradualmente mais íntimo. O piano e a guitarra pontual, ao lado de canções como “Black Swan”, “And It Rained All Night” e “Cymbal Rush” também ajudam muito. Às tantas até é um disco de canções. Bravo.
Pedro Gonçalves

BOY KILL BOY
Civilian
CD Mercury/Universal
Recomendado a quem não desenvolveu alergia recente ao rock emanado por uns Franz Ferdinand e Kaiser Chiefs, aqui em versão mais inofensiva (“Friday Friday”, “Six Minutes”, “Civil Sin”).

PRIMAL SCREAM
Riot City Blues
CD Columbia/Warner
Se lhe disserem que Bobby Gillespie e companhia fizeram um álbum quase igual a Give Out But Don’t Give In mas muito melhor, faça por acreditar que se trata de uma boa notícia. É que é mesmo, como se lhe fosse acrescentado Bob Dylan, os Clash e… Paulo Furtado (“Nitty Gritty”, “Little Death”, “We’re Gonna Boogie”, “Sometimes I Feel So Lonely”).

HOT CHIP
The Warning
CD EMI
Não obstante a urgência da edição do segundo álbum, os esquizofrénicos londrinos mantêm o exigido equilíbro entre a coisa pop, a electrónica obtusa, os sonhos narcóticos e o humor que não se auto-ridiculariza (“And I Was a Boy From School”, “Colours”, “Arrest Yourself”).

RADIO 4
Enemies Like This
CD EMI
Com amigos destes, não é de estranhar que na História da Música haja apenas uma entrada para os Radio 4, a referente a Gotham!, de 2002. Caso para o proverbial “I’m bored, what’s next?” (“Too Much to Ask For”, “This is Not a Test”, “As Far As the Eye Can See”).

THE FUTUREHEADS
News and Tributes
CD 679
Segundo álbum dos ingleses procura e encontra novos pontos de fuga para o pêlo na venta de balcão de pub. Tudo indica que pelos seus ouvidos passaram belíssimos discos. E inteligentes, também (“Cope”, “Skip to the End”, “Back to the Sea”, “Thursday”).

KING BISCUIT TIME
Black Gold
CD Poptones
A humanidade é uma besta totalmente surda. E Steve Mason, o líder da sublime Beta Band que agora se estreia com um álbum a solo “a sério”, é uma das maiores vítimas desse facto. Black Gold é, obviamente, um tratado em 10 partes intransmissível (“C I Am 15”, “Izzum”, “Kwangchow”, “Way You Walk”).

No Woman No Cry

NO WOMAN NO CRY – A MINHA VIDA COM BOB MARLEY
Rita Marley com Hettie Jones
Livro Casa das Letras

A Rita Marley, a única mulher oficial do imortal rei da música e da cultura jamaicanas, será sempre perdoado o facto de não ser escritora. O mesmo não acontece com Hettie Jones, que em No Woman No Cry tenta contribuir, supõe-se, para a consistência da narrativa assente num assinalável número de episódios, memórias, amor e inspiração. Longe de tratar-se de uma obra capaz de figurar junto das melhores biografias de músicos conhecidas, No Woman No Cry é, fundamentalmente, o desabafo agridoce de quem foi, desde que os Wailin’ Wailers passavam à sua porta a caminho da Studio One de Coxsone Dodd até ao dia da morte de Robert Nesta Marley, sua mulher, mãe, amiga, irmã e fiel depositária de fertilidade.
No Woman No Cry, não obstante conter com naturalidade explicações e referências a numerosas histórias e personagens da cultura jamaicana marcada por Bob Marley – de Coxsone Dodd a Peter Tosh, de Lee “Scratch” Perry a Chris Blackwell –, é sobretudo a narração amiúde demasiado simplista da relação entre um casal que quase nunca o foi. Ao parecer-se, com inesperada frequência, com uma redacção encomendada por uma professora primária, o livro perde estrondosamente a oportunidade de entrar para a categoria das obras seminais decorrentes da música. Se, conforme a própria Rita Marley confessa, muito do mal por que passou se devia à convicção de que a música era a missão do seu marido e o sucesso uma consequência natural dessa missão, o que mais falta faz a No Woman No Cry é, precisamente, a capacidade de sugerir uma banda sonora subliminar para as suas páginas.
Pedro Gonçalves

MV Bill

FALCÃO – MENINOS DO TRÁFICO
de MV Bill e Celso Athayde
Documentário Central Única das Favelas

Se no que toca ao Brasil os relatos relacionados com a criminalidade não são coisa de surpreender, Falcão – Meninos do Tráfico teve um efeito estranhamente pesado quando este ano foi mostrado pela primeira vez na Globo, no programa Fantástico.
A realidade da favela, que Meirelles tratou de democratizar visualmente através de Cidade de Deus, é em Falcão ampliada pela parcimónia de meios e por um teor documental praticamente amoral. A juntar a isso, foi tornado público o facto de, no espaço de dois anos do longo trabalho do rapper MV Bill (na foto) e do produtor Celso Athayde, 16 dos 17 miúdos que funcionaram como alicerce do documentário terem falecido por motivos relacionados com o crime, todo ele filiado no tráfico de droga na favela.
Falcão é o termo que designa os rapazes, alguns com menos de 15 anos, que durante toda a noite fazem vigilância na favela para que o negócio se processe sem sobressaltos policiais. São esses os rostos enconbertos de um documentário que, na impossibilidade de ser encontrado pelas vias tradicionais, está acessível a utilizadores do método de partilha de ficheiros online.
Falcão – Meninos do Tráfico é feito de vozes insensíveis à desgraça, revoltadas pelo abandono paternal, descrentes em qualquer alternativa à “vida do crime”, temerárias porque protegidas pelo “fuzil”, amiúde a tradicional AK-47. Em formato digital ou com o pontual VHS, a dupla registou mais de 200 horas de crime e vida paralela em que se incluem os funerais dos 16 jovens mortos.
Por trás dos 58 minutos exibidos pela Globo há ainda o livro homónimo, que descreve os bastidores da tarefa. Se tudo correr bem, e MV Bill conseguir vender mais uma vez a sua casa, Falcão – O Sobrevivente chega aos cinemas brasileiros em Outubro, tendo como protagonista o único dos meninos que não morreu no período das filmagens. Mas que, por sorte, foi preso.
Pedro Gonçalves

Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.

3 comentários:

  1. Muito bom caro amigo!

    Já tenho o #05 da UM, que fiz questão de procurar na Fnac. Encontrado o exemplar, nada como uma visitinha à redacção daquela revista transexual, com um belo JORNAL debaixo do braço. :) Reacções fantásticas!...

    Parabéns a quem continua a luta!

    MP

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  2. Mas houve reacções?

    Isso significa que há vida em Marte!

    Abraço.

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  3. Apesar de algumas divergências na minha modesta opinião quanto ao conteúdo deste post, acho esta crónica uma delícia. Parabéns, Pedro Gonçalves! Muito bom :)

    Abraço!

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