11 maio 2007

Inglaterra, 1983


(Trailer de This is England)

Toda a marginalidade encerra em si uma beleza extrema e comovente. Se semelhante afirmação será, dentro dos parâmetros médios, algo no limiar da rebeldia inconsequente, então talvez seja de ilustrá-la com o mais recente filme do inglês Shane Meadows, This is England de seu nome.

Não sei, por assumida ignorância face aos calendários de estreias em Portugal, se This is England poderá ser visto em condições dignas neste canto da Europa. Estreado em Inglaterra no passado mês de Abril, estará no entanto disponível no acessível circuito de DVD mais tarde ou mais cedo. Isso é importante.

Não será fácil pedir a aclamação de This is England a quem, independentemente de vislumbrar ou não a tal beleza da marginalidade, nunca alimentou qualquer tipo de relação com as numerosas manifestações culturais urbanas e jovens das ilhas britânicas desde a segunda metade do século XX.

No caso de yours truly, e podendo o facto ser considerado anormal, é uma relação natural, geracional e intelectual (sem qualquer relação com petulância, entenda-se). Constato agora, ao consultar dados briográficos, que Shane Meadows tem exactamente a minha idade.

Passado nos subúrbios de Nottingham em 1983, This is England contextualiza-se desde logo numa brilhante montagem inicial: Tatcher, a Guerra das Falkland/Malvinas, o desemprego extremo, o emergir da Frente Nacional.

E a música que, balizada por "Tainted Love", dos Soft Cell, dá depois lugar ao universo que marcava a realidade da comunidade skinhead interracial e não segregacionista. Falo, naturalmente, de soul e de reggae, da música que coloria encontros de jovens de raças diversas que tinham em comum a pertença a uma classe operária e códigos de conduta e vestuário em boa parte resgatados aos rude boys jamaicanos. Não por acaso, no filme pode ver-se, por exemplo, um poster alusivo ao seminal The Harder They Come, com Jimmy Cliff pistoleiro.

Gira tudo em torno do estreante e surpreendente Thomas Turgoose, que saltou de um casting para interpretar a personagem de Shaun, espécie de puzzle de estilhaços biográficos do próprio realizador.

Alvo do proverbial bullying, é adoptado por um grupo de skinheads pelos quais é impossível não sentir simpatia (ou empatia?). E que, no tal registo interracial, inclui no seu núcleo um descendente de jamaicanos com uma deliciosa figura a lembrar o 2-Tone, os Specials e os Madness. Naturalmente, com boas doses de erva a selar as amizades.

Depois aparece a Frente Nacional e o racismo exacerbado, a visão da imigração como causa de todos os problemas sociais e a ausência de orgulho patriótico.

O que fascina verdadeiramente em This is England, além da insuperável dimensão emocional atribuída a personagens que alguns verão apenas como hooligans, é mesmo a forma simples mas apaixonada com que Shane Meadows filma parte da sua cultura e, como o próprio assume, da sua vida. Um género de vida que, mesmo à distância, uns quantos de nós se habituaram a respeitar e estudar com diletância.

Perdoai qualquer coisinha, mas algo de tão básico como This is England é que para mim merece aquelas designações vagamante abstrusas como "Filme do Ano".


(Reportagem sobre This is England e entrevista a Shane Meadows no programa The Culture Show, da BBC)

Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.

7 comentários:

  1. Quero ver isto já! Sabes se vai aparecer por aí, ou temos mesmo de esperar pelo dvd?

    Grande dica! Aloha,

    MP

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  2. É como digo na prosa principal, caríssimo Miguel: não faço a mais pálida ideia sobre os planos do filme para a parvalheira.

    Parece que há, no entando, formas alternativas de ter acesso a este tipo de coisas. Dizem, não sei.

    Big up!

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  3. já fui á "mula" ! ainda não sei é sacar legendas,mas chego lá! já diziam os pseudos pós 25 de abril " os ricos que pagem a crise"

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  4. Não irei à "mula".

    Vou esperar pelo DVD. A coisa é tão promissora que quero aquilo e dar-lhe miminhos...

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  5. Já tinha lido uma crítica na Uncut e fiquei logo curioso. Será, concerteza, mais uma prova da vitalidade do cinema britânico contemporâneo. Pena é que, nós por cá, não temos acesso à maior parte das coisas.

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  6. João Carlos Silva, from Albergaria a Velha/ Aveiro, stated:

    Tenho 44 anos e trabalho há 21 para o mini-stereo da inducação, exactamente na área de Inglês. Depois de ter lido alguns dos vossos post-a-comment, fico deveras orgulhoso da consciência e atenção culturais ainda existentes neste país. Felizmente que ainda não estão todos hipnotizados pelos sortilégios post-neo-liberais dessa Maggie-Thatcher-de-calças que um dia beberá a cicuta marga da condenação nacional. É claro que THIS IS ENGLAND dificilmente verá a luz da distribuição nos circuitos comerciais de exibição - e muito provavelmente teremos que "mandar vir" o dvd da fonte, se o quisermos ver. É que nesta terra as mentes esclarecidas, déspotas e iluminadas dominam já - e muito bem- os trâmites da guerra de informação de que falava Genesis P Orridge dos TG, há já um 1/4 de século : a alimentação de informação tem que ser doseada, filtrada, "ergonómica" para a segurança do status quo e quando não transporta em si a essência antidotal ( como acontecia no final dos 90's com o filme protagonizado por Edward Norton, sobre os skins americanos - ...uma outra estória...), então nada mais fácil que recorrer a tácticas "hooverianas" - o filme não existe e nunca existiu, ou "não presta", porque pouco se falou dele. É bom que não se esqueça - nos governos, nas autarquias, nas escolas, nas repartições, o poder é, regra geral, exercido pelos super-
    -ambiciosos ressabiados "que nunca se preocuparam com essa coisa da cultura", que provavelmente sofreram de "intelectual bullying at school" e que desenvolveram em si as aptidões de amestrados (à custa de sucessivos mestrados técnicos)para melhor responder à HMV. Eu também não vou descansar enquanto não o vir, mas já agora gostaria de concluir com esta ideia : há dez anos, "American History X" abria - contra a vontade dos seus autores Tony Kaye e David McKenna- muitas portas a jovens deserdados pelo seu país natal para entenderem só o lado errado do filme; agora que, de acordo com as reviews, surge outra obra que contextualiza objectivamente - como só o cinema britânico o sabe fazer - a urdidura social e humana do fenómeno skin, com uma pungente história real pelo meio (a fantástica e difícil vida do jovem actor Thomas Turgoose), então, se de facto THIS IS ENGLAND for "abafado" em Portugal, será mais uma confirmação de termos motivos para alarme, e de que algo vai muito mal no reino democrático de Portugal...e depois queixam-se que há muitos jovens com pouquíssimo cabelo e de suspensórios, a manifestarem-se no Martim Moniz!
    Não sou anónimo, mas já me supra-escrevi no início deste longo post - sorry!

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  7. Já está downloadado há uns dias. Agora é arranjar um tempinho para o ver. Depois, porque irei certamente gostar do filme (o trailer deixou-me a salivar), será tempo de rpoceder à encomenda na Amazon. Abençoada Internet que nos permite contornar os obstáculos erguidos pela falta de vontade de muitos.

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