21 maio 2006

Fim-de-semana alucinante

Lordi

As três pessoas e meia que têm por hábito acompanhar os escritos que produzo saberão, por esta altura, que juntar frases na primeira pessoa do singular não é actividade em que sinta particular à vontade. Há, dentro de mim, sempre um feroz guerreiro tresloucado que defende que isso é coisa que não se compatibiliza com a actividade jornalística, que tanto prezo. Mais complicado se torna, portanto, usar a primeira pessoa do singular e falar dessa entidade, do que faz, do que fez, do que pensa, etc. Mas, de repente, ocorre-me que às tantas um blog serve para isso. E daí a partilhar algumas experiências de fim-de-semana é um passito de nada.

Lá pelas duas da manhã de sexta para sábado, e por coincidência cósmica de calendário, estava a ver e ouvir o colectivo Buraka Som Sistema (simpático aportuguesamento da vetusta tradição jamaicana dos sound systems) no Clube Mercado, em Lisboa. Por razões profissionais que mais para o Verão se perceberão, descobrir no próprio dia a ocorrência de semelhante evento não poderia resultar em indiferença ou preguiça. O facto de ter entrada gratuita teve também o seu peso na deslocação, obviamente, uma vez que no momento presente só é possível gravitar num raio de acção de uns cinco euros. Buraka Som Sistema, então.

Bela escolha para um serão. Devidamente acompanhado por um daqueles raros amigos que se disponibilizam a descobrir qualquer coisa que não conhecem, nem o celibato alcoólico impediu que, de um momento para o outro, estivesse yours truly a tentar fazer qualquer coisa de muito distante daquilo que se entende por dançar o kuduro. Porque é disso mesmo que trata o Buraka Som Sistema, de uma bomba atómica energética que, apesar de ainda perfeitamente underground, pode ser sem exagero comparado, como fenómeno, à explosão que nos últimos anos se deu no universo do funk de favela brasileiro. Rude, rudimentar, carnal e vertiginoso. Como diziam os outros, "É som de preto, de favelado/ Mas quando toca ninguém fica parado". É exactamente isto.

Melhor: é isto à excepção da referência ao preto. As tais três pessoas e meia que acompanham as minhas prosas sabem também que praticamente nada me surpreende mais do que quatro ou cinco pontos percentuais. Um desses raros casos deu-se, porém, na noite em questão. Tendo o humilde signatário vivido mais de meio século ao lado da Buraca, louco seria se não fosse ali para a Rua das Taipas na esperança de encontrar uma cave fumarenta, de atmosfera pesada apesar da destilação de prazer carnal, cheia de pretos (elogio). Onde encaixam então os sapatos de vela, os betos e as betas que em boa parte preencheram o espaço é, por isso, coisa cuja explicação me ultrapassa. Mas, tenho a certeza, foi coisa que inibiu um deleite maior. O Buraka Som Sistema, onde é bom ver Kalaf no papel de MC que se limita a debitar frases triviais, ele que para alguns cépticos é um bluff como diseur e intérprete de canções, é uma festa do cacete. Ao lado de Kalaf, discos que trituram kizomba e elementos tecno parcimoniosos e mais duas vozes, uma delas feminina a acompanhar movimentos de manifesta provocação dos sentidos.

Feita a noite, sabia que sábado era dia em que no Hattrick tinha vitória assegurada por falta de comparência do adversário. Mas a noite foi mágica, apesar de tudo. Foi noite de Eurovisão, ou da final do concurso, segundo percebi. Concluí, então, que eu e a Eurovisão estivemos este ano em absoluta sintonia, apesar de o amor que a dita me tem não ser correspondido. Num dia qualquer da semana que passou, numa suposta meia-final em que felizmente Portugal ficou pelo caminho (é assim que prefiro, como já expliquei noutra ocasião), dediquei-me a ver a primeira corrida de touros que reabriu o Campo Pequeno (sim, gosto de tourada) e que a TVI transmitiu. Num momento de fortuna suprema, um curto zapping pôs-me frente-a-frente com um grupo inenarrável que concorria à Eurovisão. Percebi que eram finlandeses, que tocavam um rock que já não se usa desde os Kiss e que, com delícia, ostentavam vestimentas que tanto faziam lembrar Alice Cooper quanto uns inqualificáveis Slipknot. É verdade. Era o Festival da Canção. Achei-lhes um piadão. Mesmo. Para a minha relação com o certame, uma coisa daquelas era o quintessencial sublinhar do ridículo.

Entretanto, sábado à noite. Decorria a tal final. O meu jogo no hattrick já estava acabado (com o proverbial 5-0) e procedia-se à votação very typical do universo Eurovisão, aquela sequência em que gente em cenários Photoshop começa uma alocução com a frase "and these are the results of the (...) juri". Espantosamente, a Finlândia, único país cujos representantes havia visto actuar dias antes, lideravam com largueza e preparavam-se para ganhar a coisa. Fiquei extasiado até ao final, numa frenética urgência de ver aquele aborto musical pseudo-conceptual fazer a intervenção final, receber ramos de flores à boa maneira do black metal nórdico e erguer uma qualquer peça de cristal que normalmente está sempre presente entre os troféus. E assim foi. Fiquei não menos do que maravilhado. Absolutamente maravilhado. Com isso e com Eládio Clímaco, homem com eternas saudades da Eurovisão "á séria" e dos Jogos Sem Fronteiras. Chamava-lhes montros de dois em dois minutos, fazia ironia com as fornadas de 12 pontos que arrecadavam à vez. Uma delícia que teria detestado não ver. Com a Eurovisão e estes concursos de canções definitivamente corrompidos e esventrados com tamanho descaramento, a alegria era difícil de conter. Eládio Clímaco tratou de fazê-la explodir quando contribuiu para o ridículo da coisa ao afirmar, duas vezes em 10 minutos, que para o ano a coisa decorre na Finlândia. Em Reykjavic, disse. Precisamente a capital da Islãndia.

Um domingo de frisbee e playstation com o filhote está a terminar. Com os Globos de Ouro ali de esguelha, que o coração já não dá para tanto absurdo seguido. O que vale a pena registar, no que às coisas que me interessam diz respeito, é que pela primeira vez na História da cerimónia a Impresa se lembrou que tem no seu espólio uma publicação musical, tendo este ano convidado o actual director do/a Blitz para integrar o júri de Música. Não me digam que o mundo não é um lugar maravilhoso...

(Omiti propositadamente o tiro na nuca que levei ao ver Fernando Santos ser apresentado como novo treinador do Glorioso).

Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.

9 comentários:

  1. Não fiques triste. Se te consola, só há 2 blogues que eu leio todos os dias: o teu e o Juramento. Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco...

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  2. Triste? Como triste?

    Com um fim-de-semana destes, futebol à parte, é impossível ficar triste!...

    Cheers!

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  3. Oi sr. Goncalves,
    Buraka som sistema esta a rebentar!! Ando de olho nos rapazes ja algum tempo e esta ai...
    Quanto a festival Eurovisao, tambem vi este ano, o Eladio esta velhote e fartou-se de lançar gaffes a torto e a direito. O sms foi o grande vencedor!
    Paxem + ox Lordi k ns adoramos!!!!
    abraço

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  4. Muito Sol Música, sô Xavier, muito Sol Música...

    Cheers!

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  5. em que divisão estás no hattrick?

    manetas

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