14 outubro 2005

E a herança vai para... Damian Marley

Damian Marley

Na música, como em muitas outras coisas, as heranças podem ser uma coisa lixada. Não só porque podem ter que pagar impostos como produzem frequentemente no(s) herdeiro(s) a ansiedade do cumprimento de expectativas. Ora, muito felizmente, no caso presente o pesado apelido Marley não só não transtorna a vida do mais jovem dos descendentes do rei do reggae como ainda o transforma num dos artistas jamaicanos mais relevantes dos dias presentes. Pela sua música, que, associada ao seu apelido, dará origem a combinações de palavras como "digno herdeiro".

Tendo começado a publicar álbuns em nome próprio em 1996, "Welcome to Jamrock" é apenas o terceiro disco de longa duração de Damian Marley. Precisamente por alambar com o apelido, a música e a responsabilidade de ter-se assumido como sério difusor das feridas sociais da Jamaica (como que por oposição a um certo clima carnal-festivaleiro oriundo de universos como o dancehall "moderno"), não lhe sobra muito tempo para fazer discos consistentes. "Welcome to Jamrock", o álbum, acaba por ser muito mais do que isso.

Antes de o álbum ter visto recentemente a luz do dia, já o single "Welcome to Jamrock" havia provocado entusiasmadíssima aprovação junto de quem por ele passou os ouvidos. Para o New York Times, junta-se a uma potencial lista das candidatas a canção da década. Num plano mais terreno, "Welcome to Jamrock" é só um colossal cruzamento de toasting acutilante sobre um reggae dolente apoiado em efeitos sonoros deliciosos. É, se se quiser, uma aproximação contemporânea ao roots reggae com o auxílio, por exemplo, do arrepiante sample onde se ouve "Out in the street they call it murder". Isto para mostrar ao mundo que na Jamaica as atraentes brochuras turísticas convivem naturalmente com um universo urbano ainda carregado de miséria. Nenhuma descrição da canção lhe é, porém, suficientemente fiel no grau de relevância que ostenta.

De regresso ao álbum, "Welcome to Jamrock" é um exercício de estilos que, à conta de uma invejável capacidade de soar interessante, não se dispersa até esfumar-se e transformar-se em coisa nenhuma. É que Damian Marley tanto nada de bruços nas águas do reggae como de costas nas do dancehall. Mas o intervalo citado é pequeno para Damian Marley. O jovem conhecido também como Jr Gong é também mais do que capaz de assimilar a samplagem e o loop utilizado no mais do que propalado "Rude Boy Rock", dos Lionrock (conferir em "All Night"); de abordar a variedade tecnológica para a criação de efeitos diversos, uns mais interessantes do que outros (ouvir "For the Babies" e "Hey Girl"); ou de trazer para si as palavras de um dos gurus do hip hop de pendor mais respeitável, como Nas (em "Road to Zion").

"Welcome to Jamrock" é, naquilo que o termo "contemporâneo" pode envolver, um álbum que, nesse cruzamento às vezes fatídico entre a cultura jamaicana e o mercado norte-americano, se levanta um bom bocado mais alto do que praticamente todos os outros com intenções semelhantes.

Mas isso pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.

3 comentários:

  1. Parabéns pelo blog! É bom continuar a saber que abalos a conjectura musical provoca na cabeça do PGonçalves! Devo dizer que me senti obrigado a citar umas quantas palavras dirigidas ao devendra no último post que fiz no meu blog...

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  2. Fiquei a saber que o autor do blog não só é pouco mouco, como também um profissional ao qual a Fnac não soube reconhecer o valor. Estas corporações francesas não sabem que estamos em Portugal, e que aqui o pessoal tem os horários que quer, e faz o que lhes dá na telha? Podia fazer um post a defender o que é o bom profissional, mostrando ao mundo de que linhas se cose Portugal.

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  3. Caro Chedi_Lane:
    Obrigado pelas palavras. Também já andei pelo nem 1 nome e gostei de ler.

    Caro Anónimo:
    Como a seriedade e a ironia não são, neste caso, identificáveis nas palavras de quem não se conhece, não posso comentar aquilo que escreve.

    Voltai sempre, que a taberna está aberta.

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