19 setembro 2005
O arquiduque vai nu! E é um naco.
Questiornar-se-á o gentil leitor sobre a justificação para uma prosa em que se esventra um álbum e se descreve cada órgão, como o que aqui em baixo se encontra a propósito de “You Could Do It So Much Better”, o segundo dos escoceses Franz Ferdinand.
Para resumir, duas razões impõem a prosa: 1) trata-se de um disco aguardadíssimo por melómanos de gema e com edição marcada para 3 de Outubro. Os críticos têm-no, os profissionais de partilha de ficheiros também, quem edita também, quem edita outras coisas não faz transitar o seu graveto para empresas concorrentes, daí escrever-se aqui para quem vai escandalosamente gastar (ou não) rios de dinheiro num disco assinado, provavelmente, pela melhor banda que as ilhas britânicas (neste caso Glasgow, Escócia) viram nascer desde os Blur; 2) o próprio signatário precisa de partilhar o que ouviu, que confirma aquilo que há já bom tempo vinha dizendo: esta banda é especialíssima, muito longe do padrão médio que caracteriza muitos dos que agora chegam à pop e ao rock.
Sobre “Franz Ferdinand”, o primeiro disco, dizia-se que era uma colecção de 11 potenciais singles. Agora são 13, caberiam num lado de uma cassete de 90 minutos e descrevem-se assim:
1. “The Fallen”: uma entrada de guitarra avassalora, os riffs de Alex Kapranos em contacto epidérmico profundo. Um refrão melodicamente delicioso e um estilhaço de espelho punk quebrado e enterrado na carne. (3’42”)
2. “Do You Want To”: é o primeiro single, perfeito como “Take Me Out” mas desta vez numa única peça. Entrada a la Beach Boys e um crescendo para um refrão em que um “tu ru ru” maravilhoso é valorizado por uma guitarra possuída (também no resto da canção). Mais uma vez, a questão: como concilia Alex Kapranos as portentosas melodias de voz com o facto de ser o guitarra-solo e tocar para um lado enquanto canta para outro? (3’35”)
3. “This Boy”: prova que tudo nasce nas guitarras e que são elas quem define para onde vai a canção. Riffs maravilhosamente simples são aos milhares nos dedos dos Franz Ferdinand. Neste caso, destila-se uma certa histeria punk e grita-se no refrão “I want a car”. Não são muitas as bandas que lêem com inteligência e ironia a sociedade em que vivem – os Smiths, os Blur, os Pulp… (2’22”)
4. “Walk Away”: é um diamante. O ambiente recorda que temos um coração e uma pele que se arrepia. Além das quebras e arranques que se conhecem aos Franz Ferdinand, medalha de mérito para a beleza com que Alex Kapranos passeia a voz para cima e para baixo. Este seria, com toda a certeza, o single que conquistaria as rádios orientadas para adultos. O mais certo é que não seja. (3’36”)
5. “Evil and a Heathen”: Epilepsia repentina e passageira, arremedo punk vincado por um estardalhaço que não chega a ser cacofónico e pontuado pela marcação solitária da bateria. (2’05”)
6. “You’re the Reason I’m Leaving”: será um clássico, como outros foram após “Take Me Out”. Não só porque repete no refrão um título que remete para algo com que o mortal já se cruzou mas porque, mais uma vez, a cadência vintage, as guitarras e as quebras torná-la-ão, por exemplo, num trunfo alto na sueca do palco. (2’47”)
7. “Eleanor Put Your Boots On”: Coincidentemente ou não, são os Beatles quem trata de ocupar o espírito dos Franz Ferdinand nesta magnífica canção. Se o nome Eleanor tem alguma coisa que ver com o arrepiante “Eleanor Rigby” é coisa a saber, mas há aqui tanto de “Sgt. Pepper’s”… O piano, os avanços e recuos, a consistência em menos de três minutos. É verdade que cada ostra só tem uma pérola? Não pode ser. (2’50”)
8. “Well That Was Easy”: Dizem os entendidos da rádio que uma canção a sério tem que ter o refrão antes de passar um minuto de música. Pois os Franz Ferdinand podem nem deixar passar 30 segundos antes de trazerem o prato principal, como aqui acontece. Duas canções dentro de uma, uma na tarefa de deitar paredes abaixo com decibéis, outra com a delicadeza da decoração de interiores. (3’02”)
9. “What You Meant”: À excepção do trabalho vocal de Alex Kapranos, trata-se da canção mais inócua de “You Could Do It So Much Better”. Precisamente por se parecer um bolo sem a cereja no topo, aquele pequeno nada que cria vício. Vai lá por extractos rítmicos, basicamente. (3’24”)
10. “I’m Your Villain”: Vindo de quem vem, mais de quatro minutos significariam quase forçosamente um ambicioso épico. Trata-se, apenas de uma exposição de harmonias de seis cordas na forma de uma canção, digamos, tradicional. Isto no caso de uma montanha russa poder ser encarada como algo de tradicional, tamanha a mutação interior. “Your so serious”, canta Alex Kapranos, acrescentando um “Baby, see you later”. Mais dia menos dia acaba a partir corações que não são japoneses. (4’03”)
11. “You Could Have It So Much Better”: aqui podiam ser uns MC5 ou uns Stooges depois de um banho anti-oxidante. O tema-título do álbum é um arremedo desarmante e uma dúzia de choques cardíacos. (2’41”)
12. “Fade Together”: Novamente, como em “Eleanor Put Your Boots On”, os Franz Ferdinand resolvem, verdadeiramente, inventar. Mas, como dizia o meu avô, este inventar tem graça. Balada de piano proeminente, bolha de amor acústico e harmonias vocais. Beatles, Beach Boys e os esquecidíssimos High Llamas acorrem ao pensamento. No final, pássaros chilreiam… (3’03”)
13. “Outsiders”: Fechar estes discos especiais é, como se dizia entre amigos há uns anos, “obra da piça”, expressão que em alguns círculos deve ser substituída por “árdua tarefa”. Não fossem as guitarras, mais uma vez, e uma bateria seca como habitualmente, e dir-se-ia estar aqui um rock planante, quase espacial, pontualmente épico. Os ruídos menos convencionais são tão surpreendentes quanto a comunicação das baleias ou uma partilha de frequência interplanetária. Por isso, volta-se sempre ao princípio. (4’02”)
Para os Franz Ferdinand, este é o tão “difícil segundo álbum”. Eles fazem-no parecer provir da mesma facilidade com que as tias portuguesas parideiras de livros que adoram ler-se e ver-se encontram empresas que colocam as letras que juntam no computador num formato digno que se digere em menos de quatro minutos.
Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.
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Já o ouviste?!
ResponderEliminarSorte a tua.Estou curiosíssimo e ruído de inveja!
Estimado Colaça:
ResponderEliminarNunca escreveria uma linha sem ter ouvido.
Está quase a sair, calma...
Abraço.
Pois eu acho que devias arranjar umas cópias para os amigos. Mas isto pode ser da minha cabeça, que é 1 pouco tonta...
ResponderEliminarO teu nome, Pedro Gonçalves, fez-me pensar se terias alguma coisa a haver com uma banda portuguesa?
ResponderEliminarDeves ter ouvido tanto como eu. Arrogância e prepotência sempre foram uma caracteristica tua. Desde os tempos do jornal onde trabalhaste e que só piorou (como se fosse possível) desde que o começaste a dirigir. Criticas a concertos que não deves ter visto por completo pois eram evidentes certos pormenores desses concertos que não referias nas tuas críticas.
ResponderEliminarCaro Carlos V. Anónimo:
ResponderEliminarObrigado pela partipação.
E não se preocupe, que o disco está a sair. Pode ouvi-lo já para a semana.
Cumprimentos.
É um excelente disco, ainda bem que ainda há bandas assim!
ResponderEliminarFranz Ferdinand e sensacional. Estou a espera do terceiro cd
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