19 janeiro 2006

Sit around! Sit around!

Rocky Marsiano

Rocky Marsiano
Bicaense, Lisboa
18 de Janeiro

Por razões diversas que não importa aqui enumerar, já há tempo considerável que de alguma forma me desliguei dessa coisa que, para milhares de pessoas, basta referir como "a noite". Essa noite, a das tertúlias mais ou menos inconsequentes, deu lugar a outro tipo de noites, mais privadas e simultaneamente mais consentâneas com a falta de paciência para uma porrada de situações que decorrem "na noite". Terei sido, portanto, no passado serão um absoluto forasteiro no Bicaense. Talvez seja suficiente dizer que, no espaço onde actuou o combo de Rocky Marsiano, não entrava desde o tempo em que lá se jantava.

Ora, como se sabe, Rocky Marsiano e o seu soberbo "The Pyramid Sessions" são um projecto de hip hop, no caso de um hip hop de pendor jazzístico, com guitarra real e saxofone. Pelo menos para mim, aquilo é hip hop. Por isso mesmo, muito me espanta que o Bicaense parecesse, ao longo de coisa de hora e meia, um workshop de música, com assistência dividida entre sofás e o chão, como se quem ali estivesse a actuar fosse um qualquer cantautor de barbas descoberto por Devendra Banhart. Não entendo e, muito provavelmente, não quero entender.

No final do espectáculo, D-Mars (identidade habitual de Rocky Marsiano) dizia-me que este concerto havia corrido melhor do que qualquer outro porque, acima de tudo, foi mais solto. Precisamente. Nada como o próprio artista para descrever aquilo que acaba de fazer. Imaginar-se-ia que, de uma mesa onde D-Mars controlava a sua estimada MPC e DJ Ride fazia o possível e o impossível na magistral arte do turntablism, emanaria aquilo que pontualmente poderia ser descrito como free jazz? Não, de todo. Mas foi precisamente isso que aconteceu, e não apenas nos encores exigidos, muito por via do cálido saxofone de Rodrigo Amado e da guitarra de André Fernandes, espécie de liquidificadora que trouxe para a função uma dimensão por vezes cósmica.

D-Mars, já se sabe, é rei na arte de manejar uma MPC, esse lendário objecto com que a Akai constribuiu para numerosos discos de hip hop de todo o mundo e de toda a História. A revelação, pelo menos para este humilde escriba, veio das mãos de DJ Ride, jovem ligado ao Office, nas Caldas da Rainha, e já elemento da lista dos maiores turntablists portugueses, nem que para isso bastasse tê-lo visto e ouvido na noite que passou. Mão direita no prato e no vinil, mão esquerda no crossfader da mesa que o acompanha, tem técnica(s) para dar e vender, agindo mesmo como instrumentista quando, por exemplo, em plena sessão alterna no mesmo tema com uma destreza impressionante entre as 33 e as 45 rotações. Como se nada fosse, tranquilamente, em nome da música comandada por D-Mars.

Se "The Pyramid Sessions" é já de si uma experiência de deleite absoluto, ao vivo Rocky Marsiano assume complexidade maior e sente-se-lhe a vontade de interagir com instrumentos reais ao mesmo tempo que o vemos disparar os samples armazenados na memória da MPC. E se isto ainda não está perfeitamente alinhado, oleado e em piloto automático, não sei se alguma vez deveria estar, tamanha a delícia da imprevisibilidade que acompanha os beats de D-Mars, que vão do hip hop de pendor mais clássico às melodias dolentes de um DJ Shadow, passando por algo que na génese seria um dancehall não desdenhado por Sean Paul.

Rocky Marsiano, ao vivo, é uma experiência em maturação galopante que, garanto eu, no ano que corre deve ser levado a palcos e públicos maiores, já que esta é uma linguagem que, em simultâneo, as pessoas (à falta de melhor termo, use-se este) questionam e apreciam sobremaneira. "The Pyramid Sessions" é o que é. Ao vivo, fazem como que uma longa jam session emtrecortada por aplausos entusiasmados.

Mas isto pode ser do meu ouvido, que é um 1 pouco mouco.

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