22 novembro 2005

E a tua terra, Mac?

Bob Geldof

O homem na foto sonha com a sua entrada no céu e posterior colocação na fileira dos beneméritos. Chama-se Bob Geldof, pensou o histórico Live Aid e é um músico cuja realização criativa é pouco mais do que desprezível. Os Boomtown Rats, de que outrora foi líder, serão sempre uma anedota pop quando à memória acorrem contemporâneos e concidadãos como, digamos, uns Kinks ou uns Small Faces.

Independente da sua existência como músico facilmente perecível, Bob Geldof sonha salvar o mundo da miséria. Com uma sofisticação tal que se diria pensada com os olhos no Nobel não sei do quê. Tanto o Live Aid como o Live 8, com duas décadas de distância, foram coisas maravilhosas, mais pela demonstração de sintonia social na classe artística do que pela música propriamente dita. Mas foram duas coisas maravilhosas.

Aqui há muito pouco tempo, Madonna, essa incontornável patega, entregou em Lisboa a Bob Geldof um prémio da MTV com nome de droga sintética habitualmente atribuído a entidades que se preocupam com as disparidades e crispações dos universos social e político. Muito bonito, blá blá blá. Madonna não criou mas ajudou a popularizar um monstro de que não precisávamos.

É que esta criatura, o patego formato masculino, recebeu ontem em Lisboa, na sempre anedótica Assembleia da República, o Prémio Norte-Sul 2005 do Conselho da Europa por alegado empenho em causas humanitárias. O mesmo empenho que, em Inglaterra, já lhe valeu o título de "sir". Que seja assim. Que, pelo menos, se assegure que um dia não vem "sir" Bob Geldof queixar-se de que em Portugal nunca lhe foi prestado reconhecimento oficial.

O pior é quando o homem se leva a sério, facto que sucedeu pela última vez exactamente ontem, em Lisboa. Deu-lhe, ao "sir", para o paternalismo e vai de enviar recados aos mais diversos responsáveis pela vontade popular no sentido de acabar com a fome em África. "Depois desta cerimónia, peço-vos que regressem ao hemiciclo e trabalhem para que Portugal possa forçar os grandes da Europa a mudar as suas políticas", disse, entre outras coisas, Bob Geldof. E os políticos portugueses presentes, como facilmente se imagina, pensaram em uníssono: "Caramba! Com a breca! Uns com tanto e outros com tão pouco... Ó cum camandro. 'Bora! 'Bora trabalhar!".

"Sir" Bob Geldof desconhece em absoluto a nossa História colonial e quer tanto dela saber como dos resultados da última jornada do campeonato australiano de futebol. O que realmente importa é que o homem, mesmo não sabendo do que fala, revele o completo domínio dessa coisa determinante chamada senso comum. "Sir" Bob Geldof, permita-me que lhe agradeça o facto de ter-me lembrado que Portugal é um país colonialista e que nas ex-colónias existe pobreza franciscana.

Mas, no meio disto tudo, há algo que se ergue e que orgulhosamente se assume como a bizarria da década. Na cabeça de qualquer criatura pensante surge a imagem de pessoas baralhadas que trocam perguntas como "ele fala estrangeiro, não fala?". São os políticos portugueses que ouviram o sermão de Bob Geldof. "De que é que ele está a falar, amor?". "Não sei, acho que o meu partido ainda não existia na época...".

Todo este patuá serve para dizer que Bob Geldof esteve na Assembleia da República para instigar os políticos portugueses de topo a fazer aquilo que já deviam ter feito - organizar convicto chavascal a propósito da miséria africana - e que nunca farão por nem sequer entenderem essa necessidade.

Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.

3 comentários:

  1. pessoalmente sempre desprezei o geldof e as suas posições de chinelo em apoio dos paises caranciados...
    mas isto pode ser da minha toca que apanha pouco sol.

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  2. Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

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  3. "(...)Tanto o Live Aid como o Live 8, com duas décadas de distância, foram coisas maravilhosas, mais pela demonstração de sintonia social na classe artística do que pela música propriamente dita. Mas foram duas coisas maravilhosas(...)". Não tenho assim tanta certeza que o tenham sido. Quanto ao resto, assino por baixo.

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