19 novembro 2005
O enviado
Horace Andy and The HomeGrown Band
Clube Lua, Lisboa
18 de Novembro
10 de Novembro de 1998. Passam sete anos e poucos dias desde que os Massive Attack fizeram a estreia do Pavilhão Atlântico, em Lisboa, como sala vocacionada para concertos. Nesse espectáculo, que se mantém na memória de alguns milhares de pessoas pelo efeito hipnótico que produziu, Horace Andy subiu ao palco com o trio de Bristol para recriar as monumentais canções que com a banda gravou. Nesse espectáculo faltou Liz Frazer, dos Cocteau Twins, que registou "Teardrop", mas sobrou por todo o lado a alma e a voz de uma figura que muitos não imaginavam ter iniciado carreira na Jamaica do final dos anos 60 do século XX. Horace Andy, precisamente. Um eleito. Um enviado.
Salto cronológico. Horace Andy actua agora em nome próprio no Clube Lua, também em Lisboa. Entre ambos os acontecimentos, o especialíssimo cantor jamaicano viu alguma justiça ser feita sobre a sua preciosa obra, através de reedições dos seus contributos para o roots reggae, com natural evidência para os temas gravados para a Studio One do saudoso Sir Coxsone Dodd. Isso, a juntar a uma conjuntura muito favorável à disseminação do reggae em Portugal, faz acorrer ao espaço mais beto do Jardim do Tabaco um assinalável número de foliões preparadíssimos para entusiasmadamente emanar vapores diversos. Soa a lugar comum, é certo, mas isto tem qualquer coisa que ver com "boas vibrações".
Quem não sabia - 99% das pessoas, eu incluído - que banda era aquela que acompanhava Horace Andy nesta ocasião, ficou cedo a saber que era um combo magnífico, um colectivo francês com a alma posta em Kingston. De uma consistência impressionante apoiada por condições acústicas no limiar da perfeição, a HomeGrown Band distribuiu verdadeiros rebuçados de música ao mesmo tempo que oferecia lições de História da Cultura Jamaicana. Com uma secção rítmica que pontualmente se aventura com excelentes resultados pelos terrenos hipnóticos de Sly Dunbar e Robbie Shakespeare, o grupo passeia-se com inesperada destreza entre apeadeiros como o roots reggae, o dub noutras ocasiões assinado por King Tubby ou mesmo o lovers rock. Uma revelação, no mínimo.
Sobre aquela gentil figura de t-shirt camuflada e dreadlocks respeitosamente grisalhos, o que há a dizer é o que esperava dizer-se antes de um concerto da gentil figura. Horace Andy é uma criatura raríssima, uma humilde e gigantesca presença que transporta uma voz impossível de tão delicada, de tão especial, de tão próxima da filigrana. Falar de empatia com a população é uma redundância, de tal forma se mostraram conhecimentos apurados quando soaram temas como os inevitáveis "Money" (também conhecido como "Money Money", "Money Money Money" e "Money The Root Of All Evil"), "Cuss Cuss" e "Skylarking".
Além do que lhe pertence por inteiro, Horace Andy traz ainda para o seu concerto as versões mais carnais de algumas das peças gravadas com os Massive Attack, concretamente "One Love", "Spying Glass" e o colossal "Hymn Of The Big Wheel". Isto já depois de a HomeGrown Band iniciar sozinha o concerto, cruzando riddims como "Angel", "Money" e "Cuss Cuss". Horace Andy é, com quase cinco centenas e meia de anos vividos, hoje um persistente e resistente transmissor dessa energia profunda que tem origem no roots reggae. É, precisamente, o oposto de um canastrão adormecido à sombra de um curriculum. O seu dom é tão natural que facilmente se confunde com o sagrado.
Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.
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