29 novembro 2005

Demasiado bom para o cargo

Ronaldinho

Por muito que se conheça Portugal, há sempre um pormenor escondido pronto a fascinar-nos pela sua bizarria, pela sua invulgaridade, mesmo pela sua ousadia. Há factos com que pontualmente nos deparamos que sublinham a certeza de que habitamos um país verdadeiramente único. Um destes factos pode resumir-se à expressão "Excesso de Qualificações".

No meio profissional, o "Excesso de Qualificações" é uma coisa lixada com "f". Além do conhecimento de causa, de vez em quando vêm até mim incríveis casos desta não menos incrível patologia. Em Portugal, não são poucas as empresas (ou firmas, à antiga) que não têm a trabalhar consigo profissionais com qualificações mais do que suficientes para cumprir determinada função.

Apesar da habitual justificação "Excesso de Qualificações", a verdadeira razão do fenómino reside no facto de essas empresas (ou firmas, à antiga) terem uma imaginação galopante no que às expectativas de remuneração de outros diz respeito. Mas essa é outra questão e o que aqui importa reter é a gloriosa essência do "Excesso de Qualificações". O "Excesso de Qualificações" significa qualquer coisa como isto: "Este gajo é muito, muito bom. É tão bom que não o queremos". Ora isto, no cérebro de qualquer pessoa normal, é uma aberração digna de vénia.

Transpondo a coisa para o caso concreto para atribuir ao fenómeno "Excesso de Qualificações" dimensões verdadeiramente galácticas, ora veja o gentil leitor: um destes dias, o homem na foto, Ronaldinho Gaúcho, chega ao meu Benfica com vontade de jogar e nunca fala de números semelhantes àqueles que actualmente compõem o seu rendimento. Na ocasião, o seu interlocutor dir-lhe-á, com sentido pesar, que não pode ficar no clube por "Excesso de Qualificações". Não é maravilhoso?

Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.

Apelo ao civismo

Manuel João Vieira

Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.

The Man speaks

Morrissey 1

Saltando rapidamente a parte em que o gentil leitor se questiona sobre a presença de uma singela notícia sobre este homem neste espaço (porque ainda não percebeu o especial apreço que nutro pelo homem), vamos ao que interessa.

Morrissey edita, no início do próximo ano, um novo álbum. Chama-se "Ringleader Of The Tormentors" e sucede ao mui inspirado e propalado "You Are The Quarry", de que este vosso servo tem maravilhosas recordações, sendo a maior delas o espectáculo na MEN Arena, em Manchester, 12 anos depois de Morrissey ter actuado "em casa" pela última vez. Adiante.

Numa sessão de perguntas e respostas para a fanzine True To You que versou também sobre assuntos como o seu vegetarianismo, os pontos mais altos da sua carreira, as suas grandes referências musicais ou a importância da Irlanda na sua vida, Morrissey falou publicamente pela primeira vez com algum pormenor sobre "Ringleader Of The Tormentors" (produção: Tony Visconti). Aqui estão as perguntas e as respostas que lhe dizem respeito. Na língua original, para não soarem ridículas:

P:
I think that Ennio Morricone is one of the great composers of our time. I regard the music to Once Upon A Time In America as a heartbreaking masterpiece. Is it true that Morricone has worked with you on your new album, and if so, how was it to meet Il Maestro and work with him?

R:
Yes, the Maestro came into the studio with his orchestra and worked on a song called "Dear God Please Help Me" – which was very flattering because he'd turned so many multi-million selling pop acts down (I won't mention their names – U2, David Bowie, etc.), so I was delighted that he said yes to scruffy old me. In the event, he was very shy, and he was heavily surrounded and shielded, and there was no way that he and I would end up at the local pub playing darts. But – that's OK. Life's rich tapestry, and so on.

P:
I am looking forward to hearing your work with Tony Visconti. At this time, is there more that you would like to share with your fans as to the overall sound of your new album?

R:
Firstly, the musicianship is outstanding. Secondly, the songs are very strong, which is a great thing to be able to say this far down the line. We were all very unified – everyone gets on very well, we are all very close friends, and everyone works for the common good, and there is never anyone pulling away – as there has been in the past. So, this all helped to make the album as good as it is – and we all know it is the best. It is not a continuation of You Are The Quarry, and it has no links to the past. Tony has been a very uplifting influence – has done a great job as producer and I'm honoured to have worked with him. Marco Martin, who engineered, also played such a big part in the overall sound, and we're all eternally thankful to him.

P:
Does the title of the new album, Ringleader Of The Tormentors, have a particular personal significance to you, and if so, what would that be?

R:
Yes, but if I tell you what it is I might put you off. Patience.

De caminho, fica também o alinhamento de "Ringleader Of The Tormentors":

1. "I Will See You In Far-off Places"
2. "Dear God Please Help Me"
3. "You Have Killed Me"
4. "The Youngest Was The Most Loved"
5. "In The Future When All's Well"
6. "The Father Who Must Be Killed"
7. "Life Is A Pigsty"
8. "I'll Never Be Anybody's Hero Now"
9. "On The Streets I Ran"
10. "To Me You Are A Work Of Art"
11. "I Just Want To See The Boy Happy"
12. "At Last I Am Born"

Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.

28 novembro 2005

A mente, essa gaja estranha

José Cid

Ao vasculhar o ambiente de trabalho de um dos meus grandes amigos, o meu iBook, deparo-me com esta foto. Mandou-ma uma amiga, há não muito tempo, no meio de uma conversa online e sem qualquer pré-aviso. Com o mesmíssimo apreço pelas atitudes sem sentido, aqui a coloco. Para saudar essa coisa maravilhosa que é a memória colectiva. E, com sorte, para despoletar gargalhadas semelhantes às que libertei quando abri o documento que me chegou sem qualquer pré-aviso, descontextualizado e, por isso mesmo, muito saboroso. Da mesma forma que não é nada fácil não acertar num único resultado no Totobola, também não é fácil ser-se absolutamente medíocre e patético. Por isso mesmo, esta fotografia merece a eternidade.

Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.

"And her hearing aid started to melt..." Vol. X

Sonotone do dia:

Sinead O'Connor

Sinéad O'Connor: "Throw Down Your Arms" (Outubro 2005)

Veredicto:

O activismo social e/ou político, quando aplicado à criação musical, pode ser muito perigoso. Não exactamente perigoso para a saúde da humanidade, apesar daquilo que alguns moralistas limitados fazem crer, mas perigoso de um ponto de vista puramente estético. Amiúde concentrados num espírito de missão que tolda a actividade auto-crítica, os palradores das coisas políticas e sociais instalam-se com igual frequência num limbo de irrelevância musical ofensiva. Sinéad O'Connor há muito que se aproxima desse estado de desgraça, do ponto em que o cidadão se interessa mais por ouvir o que tem um músico a dizer do que por digerir os discos que faz. Alimentada numa cuba construída por núcleos intelectuais que não ouvem discos, a cantora irlandesa conseguiu, ao longo dos anos, tornar-se insuportavelmente previsível e tecnicamente entediante. Até este "Throw Down Your Arms". Ao invés de pregar a justiça moral e social, Sinéad O'Connor tratou de agir musicalmente. Vai daí, e espiritualmente encantada com o a magia da cultura jamaicana, gravou um álbum nos estúdios Tuff Gong, em Kinsgton, para o qual contou com os valiosíssimos préstimos da mais importante secção rítmica do mundo, Sly Dunbar e Robbie Shakespeare. Ao mesmo tempo que pegou em canções cujos créditos se repartem por gente tão distinta quanto Peter Tosh, Lee "Scratch" Perry e Winston Rodney. E pôs em prática exactamente aquilo que escreve no livro que acompanha o disco: "Maria Callas, quando questionada sobre como pode um intéprete encontrar a emoção certa para uma canção, respondeu: "O compositor tratou de tudo. Faça-se exactamente aquilo que o compositor escreveu". Por essa razão, mantive-me completamente verdadeira para com os originais, à excepção de algumas mudanças decisivas para a adaptação a uma voz feminina". Não é, "Throw Down Your Arms", o melhor disco que reggae que os primeiros anos do século XXI têm para mostrar. É, no entanto, uma viagem muito bem organizada por quem mostrou respeito pela coisa rasta e se soube fazer acompanhar pelos melhores no ofício. Isto é muito mais importante do que rasgar a fotografia do papa. 80,0% de satisfação garantida.

Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.

25 novembro 2005

Anuncio que...

Megafone

... A partir daqui, no lado direito deste vosso espaço, vai crescendo o monstro GENTE MENOS MOUCA. É aquilo que vulgarmente se conhece como links, ligações e por aí fora.

Dois esclarecimentos acompanham este anúncio. Primeiro: o número de sites cresce em função da disponibilidade e da memória deste vosso amigo, e sem gradação de importância associada à sequência das novidades. Segundo: convirerão, pelo menos por ora, neste espaço sites tão diferentes quanto relativos a jornais, revistas, blogs, lojas e o que mais se puder imaginar.

Isto não tem nada a ver com o meu ouvido, mesmo sendo 1 pouco mouco.

Georgie, the Best

George Best

22 Maio 1946 - 25 Novembro 2005

Morreu hoje quem em tempos foi conhecido como "o quinto Beatle". Morreu o homem que, com escassos seis anos no topo do mundo futebolístico (apesar de a relação com o Manchester United ter-se estendido entre 1961 e 1974), aproximou o futebol da coisa pop, transformando-se num ícone que ultrapassou os limites da relva. E, no entanto, George Best era apenas um jogador do outro mundo com uma relação difícil com o álcool e com os espaços onde ele abunda. A sua ex-mulher dizia que não conseguia tratar de duas crianças, e George foi a preterida. George Best enterrou-se no fascinante universo da fama, da noite, do dinheiro e das mulheres. Aí perdeu sempre. Só o censura quem não sabe o que pode o álcool fazer a alguém. Morreu hoje um fenómeno. Morreu um transgressor, sabendo-se que a transgressão é com frequência o ponto de partida para o desenvolvimento. Ao abusar hoje do anglicismo "driblar", o espectador da bola nem sonha que foi com George Best que nasceu o verbo "to dribble". A lenda viva passou hoje a ser uma lenda morta. Uma lenda, na mesma.

E isto não é do meu ouvido, mesmo sendo 1 pouco mouco.

23 novembro 2005

"And her hearing aid started to melt..." Vol. IX

Sonotone do dia:

Bob Marley & The Wailers

Bob Marley & The Wailers: "Destiny: Rare Ska Sides from Studio One" (Outubro 1999)

Veredicto:

É muito pouco interessante divagar sobre a rica existência de Bob Marley. Sobretudo porque quase tudo aquilo que sobre ele se pode escrever não é mais do que o ruminar de tudo o que já foi escrito. Vale muito mais a pena falar do que mal se conhece, e é aí que entra este "Destiny: Rare Ska Tracks from Studio One", gentilmente editado pela Heartbeat há meia dúzia de anos. Repleto de temas virgens em CD e gravados por Bob Marley e os Wailers entre 1964 e 1967, "Destiny" é um cabaz que tanto contempla o decano ska como o lovers rock, com assinaláveis passagens pelo som que à Jamaica chegava com origem em casas como a Motown. Aquilo que pode parecer indefinição estética é somente o natural resultado de quem há 40 anos vivia para produzir tanta música quanto possível para a etiqueta de Coxsone Dodd. Apanhe-se, na quadra que aí vem, a edição que fecha ao som de "White Christmas". 87,2% de satisfação garantida.

Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.

22 novembro 2005

E a tua terra, Mac?

Bob Geldof

O homem na foto sonha com a sua entrada no céu e posterior colocação na fileira dos beneméritos. Chama-se Bob Geldof, pensou o histórico Live Aid e é um músico cuja realização criativa é pouco mais do que desprezível. Os Boomtown Rats, de que outrora foi líder, serão sempre uma anedota pop quando à memória acorrem contemporâneos e concidadãos como, digamos, uns Kinks ou uns Small Faces.

Independente da sua existência como músico facilmente perecível, Bob Geldof sonha salvar o mundo da miséria. Com uma sofisticação tal que se diria pensada com os olhos no Nobel não sei do quê. Tanto o Live Aid como o Live 8, com duas décadas de distância, foram coisas maravilhosas, mais pela demonstração de sintonia social na classe artística do que pela música propriamente dita. Mas foram duas coisas maravilhosas.

Aqui há muito pouco tempo, Madonna, essa incontornável patega, entregou em Lisboa a Bob Geldof um prémio da MTV com nome de droga sintética habitualmente atribuído a entidades que se preocupam com as disparidades e crispações dos universos social e político. Muito bonito, blá blá blá. Madonna não criou mas ajudou a popularizar um monstro de que não precisávamos.

É que esta criatura, o patego formato masculino, recebeu ontem em Lisboa, na sempre anedótica Assembleia da República, o Prémio Norte-Sul 2005 do Conselho da Europa por alegado empenho em causas humanitárias. O mesmo empenho que, em Inglaterra, já lhe valeu o título de "sir". Que seja assim. Que, pelo menos, se assegure que um dia não vem "sir" Bob Geldof queixar-se de que em Portugal nunca lhe foi prestado reconhecimento oficial.

O pior é quando o homem se leva a sério, facto que sucedeu pela última vez exactamente ontem, em Lisboa. Deu-lhe, ao "sir", para o paternalismo e vai de enviar recados aos mais diversos responsáveis pela vontade popular no sentido de acabar com a fome em África. "Depois desta cerimónia, peço-vos que regressem ao hemiciclo e trabalhem para que Portugal possa forçar os grandes da Europa a mudar as suas políticas", disse, entre outras coisas, Bob Geldof. E os políticos portugueses presentes, como facilmente se imagina, pensaram em uníssono: "Caramba! Com a breca! Uns com tanto e outros com tão pouco... Ó cum camandro. 'Bora! 'Bora trabalhar!".

"Sir" Bob Geldof desconhece em absoluto a nossa História colonial e quer tanto dela saber como dos resultados da última jornada do campeonato australiano de futebol. O que realmente importa é que o homem, mesmo não sabendo do que fala, revele o completo domínio dessa coisa determinante chamada senso comum. "Sir" Bob Geldof, permita-me que lhe agradeça o facto de ter-me lembrado que Portugal é um país colonialista e que nas ex-colónias existe pobreza franciscana.

Mas, no meio disto tudo, há algo que se ergue e que orgulhosamente se assume como a bizarria da década. Na cabeça de qualquer criatura pensante surge a imagem de pessoas baralhadas que trocam perguntas como "ele fala estrangeiro, não fala?". São os políticos portugueses que ouviram o sermão de Bob Geldof. "De que é que ele está a falar, amor?". "Não sei, acho que o meu partido ainda não existia na época...".

Todo este patuá serve para dizer que Bob Geldof esteve na Assembleia da República para instigar os políticos portugueses de topo a fazer aquilo que já deviam ter feito - organizar convicto chavascal a propósito da miséria africana - e que nunca farão por nem sequer entenderem essa necessidade.

Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.

20 novembro 2005

Publicidade amiga e assumidamente gratuita

Festa Mondo Bizarre 2005 (1)

Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.

19 novembro 2005

O enviado

Horace Andy 1

Horace Andy and The HomeGrown Band
Clube Lua, Lisboa
18 de Novembro

10 de Novembro de 1998. Passam sete anos e poucos dias desde que os Massive Attack fizeram a estreia do Pavilhão Atlântico, em Lisboa, como sala vocacionada para concertos. Nesse espectáculo, que se mantém na memória de alguns milhares de pessoas pelo efeito hipnótico que produziu, Horace Andy subiu ao palco com o trio de Bristol para recriar as monumentais canções que com a banda gravou. Nesse espectáculo faltou Liz Frazer, dos Cocteau Twins, que registou "Teardrop", mas sobrou por todo o lado a alma e a voz de uma figura que muitos não imaginavam ter iniciado carreira na Jamaica do final dos anos 60 do século XX. Horace Andy, precisamente. Um eleito. Um enviado.

Salto cronológico. Horace Andy actua agora em nome próprio no Clube Lua, também em Lisboa. Entre ambos os acontecimentos, o especialíssimo cantor jamaicano viu alguma justiça ser feita sobre a sua preciosa obra, através de reedições dos seus contributos para o roots reggae, com natural evidência para os temas gravados para a Studio One do saudoso Sir Coxsone Dodd. Isso, a juntar a uma conjuntura muito favorável à disseminação do reggae em Portugal, faz acorrer ao espaço mais beto do Jardim do Tabaco um assinalável número de foliões preparadíssimos para entusiasmadamente emanar vapores diversos. Soa a lugar comum, é certo, mas isto tem qualquer coisa que ver com "boas vibrações".

Quem não sabia - 99% das pessoas, eu incluído - que banda era aquela que acompanhava Horace Andy nesta ocasião, ficou cedo a saber que era um combo magnífico, um colectivo francês com a alma posta em Kingston. De uma consistência impressionante apoiada por condições acústicas no limiar da perfeição, a HomeGrown Band distribuiu verdadeiros rebuçados de música ao mesmo tempo que oferecia lições de História da Cultura Jamaicana. Com uma secção rítmica que pontualmente se aventura com excelentes resultados pelos terrenos hipnóticos de Sly Dunbar e Robbie Shakespeare, o grupo passeia-se com inesperada destreza entre apeadeiros como o roots reggae, o dub noutras ocasiões assinado por King Tubby ou mesmo o lovers rock. Uma revelação, no mínimo.

Sobre aquela gentil figura de t-shirt camuflada e dreadlocks respeitosamente grisalhos, o que há a dizer é o que esperava dizer-se antes de um concerto da gentil figura. Horace Andy é uma criatura raríssima, uma humilde e gigantesca presença que transporta uma voz impossível de tão delicada, de tão especial, de tão próxima da filigrana. Falar de empatia com a população é uma redundância, de tal forma se mostraram conhecimentos apurados quando soaram temas como os inevitáveis "Money" (também conhecido como "Money Money", "Money Money Money" e "Money The Root Of All Evil"), "Cuss Cuss" e "Skylarking".

Além do que lhe pertence por inteiro, Horace Andy traz ainda para o seu concerto as versões mais carnais de algumas das peças gravadas com os Massive Attack, concretamente "One Love", "Spying Glass" e o colossal "Hymn Of The Big Wheel". Isto já depois de a HomeGrown Band iniciar sozinha o concerto, cruzando riddims como "Angel", "Money" e "Cuss Cuss". Horace Andy é, com quase cinco centenas e meia de anos vividos, hoje um persistente e resistente transmissor dessa energia profunda que tem origem no roots reggae. É, precisamente, o oposto de um canastrão adormecido à sombra de um curriculum. O seu dom é tão natural que facilmente se confunde com o sagrado.

Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.

18 novembro 2005

Actividade socio-cultural do dia

Horace Andy

Ver Horace Andy no Clube Lua.

Se a conjuntura estelar for favorável, ainda aparece por aqui um relato da coisa.

Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.

Um toque de classe borda fora

Pimpinha Jardim

(início de citação)

"Todos a bordo!

O cruzeiro a África foi uma locura. Pode mesmo dizer-se que foi o cruzeiro das festas – como alguns dos convidados chamavam ao navio em que Luís Evaristo nos presenteou com mais um BeOne on Board. Sexta-feira, embarque às 17h00, seguido dos devidos preparativos para o jantar de gala a bordo – mais tarde, já com as roupas trocadas, o festão decorreu em duas discotecas e quase ninguém dormiu, tal era a vontade de não perder pitada.

Sábado chegámos a Tânger por volta das 14h00, desembarcámo-nos e dirigimo-nos à Medina e ao mercado, com a ajuda de um guia – que tentou levar-nos a todo o lado menos aonde queríamos. O que quer que eu tente descrever não é nada comparado com a realidade. Tânger é bastante feia, muito suja e as pessoas têm um aspecto assustador. Por várias vezes tentaram aldrabar-nos, chegando a limites inauditos como o de nos pedirem três mil euros por uma garrafa de água! Apesar de já ter viajado muito, nunca tinha visto uma cultura assim – e sendo eu loira não me senti nada segura ou confortável com a cidade... Resumindo, acabei por não comprar quase nada e voltei ao barco mais cedo do que era suposto. Já em segurança, animou-me a festa marroquina, com toda a gente trajada a rigor.

A seguir ao jantar, mais um festão que voltou a acabar de madrugada – e desta vez não deu mesmo para dormir já que fomos “expulsos” dos camarotes às 9h00, para só conseguirmos sair do navio lá para as 14h00. Tudo porque um marroquino se infiltrara no barco e passara uma noite em grande – uma quebra inadmissível na segurança. Já cá fora, esperava-nos um grupo de policias, com cães, para se certificarem de que ninguém vinha carregado de mercadorias ilegais – e não sei como é que, depois de tantos avisos da organização, ainda houve quem fosse apanhado com droga na mala!

De volta a casa, a única coisa que queria mesmo era a minha cama, onde caí redonda e só acordei na segunda para ir para as aulas. Mas o saldo foi bastante positivo. Aliás, devia haver mais gente a arriscar fazer eventos como estes – já estamos todos fartos dos lançamentos, “cocktails” e festas em terra!"

(fim de citação)

O excremento que acima se transcreve foi publicado, no formato de crónica, no semanário O Independente. É assinado por Catarina Jardim, que os mais dados às coisas mundanas conhecem como Pimpinha Jardim.

A moça já foi, desde então, achincalhada até mais não pela qualidade dos seus pensamentos e pela forma como os expõe no pedaço de lixo aqui citado. Chega disso. Na maior parte dos casos, uma pessoa limitada não tem culpa de sê-lo.

Rápida passagem por revistas "do social" mostram que Pimpinha Jardim é namorada de um jovem que é filho de Inês Serra Lopes. Inês Serra Lopes é directora d'O Independente.

Inês Serra Lopes, essa sim, perdeu a noção do ridículo logo depois de ter-se esquecido que o jornalismo, por muito que esteja entregue ao sector privado, tem uma ética, tem princípios e tem uma cartilha de exigências. Ou isso ou, por engano, mandou publicar na revista Vida Independente uma composição de escola primária escrita pela sua "nora".

Quem está a pedi-las, neste caso, não é a pobre moça Jardim. Quem cometeu este crime jornalístico foi a directora d'O Independente. E fazer humor com isto é tão fácil que se torna difícil.

Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.

No teatro com Santana

Antes Eles Que Nós

"Antes Eles Que Nós"
Teatro Municipal S. Luiz, Lisboa
Até 10 de Dezembro

Este texto não tem qualquer utilidade. Pelo menos no sentido em que é habitualmente aferida a utilidade de um texto que tem como mote uma peça de teatro. Este texto não é informativo, é muito mau de um ponto de vista jornalístico e, mais importante, não é fácil ajudar quem quer que seja a decidir comprar um bilhete para uma peça que tem todas as sessões esgotadas até sair de cena.

Quando o dia é de sorte, é mesmo de sorte. É um gozo avassalador ver "Antes Eles Que Nós" na mesa ao lado da de Pedro Santana Lopes. Sobretrudo quando se conclui que as três personagens morreram num acidente com um táxi no Túnel do Marquês. Foi o que me aconteceu. Foi um dia de sorte, não me acontece sempre.

"Antes Eles Que Nós", a peça, é um exemplo perfeito de como a comédia é um género revitalizável. Que a dita se abre com lascívia para quem tem dedos para escrevê-la. Nisso João Quadros, autor do texto, não só sublinha a sua posição como dono de uma das línguas alarves mais deliciosas do "panorama" (salvo seja), como se mostra capaz dessa coisa olímpica que é colocar no papel, para ser encenada, uma história.

Uma história é uma coisa dificílima de contar. Uma história que mistura o mais desbragado nonsense com uma boa dúzia de setas envenenadas dirigidas a pessoas que nos habitam o quotidiano (de Alberto João Jardim a José Cid, de Manuela Moura Guedes a Filipe La Féria) é ainda mais difícil de contar. Quando, sem ter fumado nada de confiscável, um cidadão que se considera inteligente se ri até doer com o conteúdo de um diálogo, esse diálogo tem sérias possibilidades de ser de facto hilariante. João Quadros é-o.

Depois andam em cima do palco três pessoas mais do que familiares ao tal cidadão bastante comum. Dois deles, Bruno Nogueira e Maria Rueff, são apenas os actores de humor mais brilhantes das respectivas gerações. Manuel Marques, por seu turno, tem piada natural. Basicamente, os três fazem de si próprios, mas mortos.

Três artistas mortos à espera da entrada no Inferno, num Purgatório com sofás de design que escondem, debaixo das almofadas, desde tabaco a um revólver. Curiosamente, um dos delirantes ambientes da peça passa-se fora do Purgatório: Bruno Nogueira faz de Deus ganzado enquanto cria "o português". É, simplesmente, glorioso.

O que funciona como um excelente pretexto para afirmar categoricamente que Bruno Nogueira, apesar de um naturalmente curto trajecto nos palcos de teatro, é um fenómeno raro. É um daqueles escassíssimos casos de absoluta sintonia com os dias que por si passam, dono de uma naturalidade provocadora que faz com que pareça sempre não estar a representar. Foi isso, precisamente, que há tempo considerável me deixou extasiado na sua primeira aparição a que assisti no desequilibrado "Levanta-te e Ri".

No meio de uma multidão geracional que de um momento para o outro se achou capaz de fazer rir o cidadão, Bruno Nogueira está sem esforço muito acima dos outros. Claro que é pontualmente vítima do cinismo e da sobranceria de quem tem dificuldade em aplaudir o talento alheio, mas até nisso ele é de uma elegância desarmante. Só para nos esclarecermos, gosto muito do Bruno. É uma daquelas pessoas cujo número de telefone gosto muito de ter. Alguma coisa contra?

Eu disse que esta prosa não era útil nem jornalística. É apenas o relato de um serão de sorte. Rir até doer com Pedro Santana Lopes na mesa do lado é algo que tem que ser partilhado, digo eu.

Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.

16 novembro 2005

"And her hearing aid started to melt..." Vol. VIII

Sonotone do dia:

Gogol Bordello

Gogol Bordello: "Gypsy Punks - Underdog World Strike" (Setembro 2005)

Veredicto:

Voltamos à história de a música ser com frequência um contexto. Não é musicalmente que os bizarros Gogol Bordello se revelam coisa absolutamente relevante. Fazem-no, no entanto, por serem produto do percurso do mentor do colectivo, Eugene Hütz, que passou as passas do Algarve na sua Ucrânia e como refugiado na Polónia, Hungria, Áustria e Itália. Antes de poisar a trouxa em Nova Iorque e, sem perder a ironia e o humor que outros teriam deixado pelo caminho, dar vida aos Gogol Bordello no ponto em que se cruzam as linhas do punk com a da música dita cigana com origem na citada Ucrânia. No momento, os Gogol Bordello não são, ironicamente, apenas "Gypsy Punks". São uma coisa, perdoai a expressão, mais global. No sentido em que muito mais conflui agora para o seu apeadeiro, nomeadamente a inesperada cultura jamaicana. Os Gogol Bordello deste álbum não são só um bicho exótico para os nossos dias de escapismo, daqueles habitualmente descritos como "banda sonora dos filmes de Emir Kusturica". São, antes, um descomplexado festim de alfinete na bochecha e faca na liga. 75,2% de satisfação garantida.

Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.

Sinais de fumo

Busta Rhymes RC 2 (p)
Foto: Rita Carmo

Busta Rhymes
Pavilhão Atlântico, Lisboa
15 de Novembro

A materialização do rap em palco nunca foi assunto consensual. Percebe-se facilmente a razão. Quando, ao vivo, toma forma a vetusta fórmula "two turntables and a microphone", o rap encontra condições perfeitas para estatelar-se ao comprido numa intrincada cacofonia que em nada se parece com a produção em crescendo científico que marca os registos em disco. O problema não é esse saudável afastamento das memórias gravadas num objecto, mas o resultado desse afastamento. Busta Rhymes, que ontem à noite actuou pela primeira vez em Portugal, no Pavilhão Atlântico (Lisboa), ilustrou esta ideia com rara perfeição.

Injusto seria, no entanto, não começar a prosa pelo princípio. E ao princípio deve ser chamada a aparente anarquia organizativa de que foi feita a noite que tinha Busta Rhymes como cabeça de cartaz. Facto: dizia-se que o serão se inciaria entre as 21h00 e as 21h30 ao som de dois colectivos de hip hop oriundos de Angola; como Busta Rhymes só subiu ao palco às 22h30, e depois de uma embaraçosa sessão de DJ Scratchator como "animador" de uma curta populaça impaciente, os citados grupos ocuparam o palco em fim de noite, angariando numerosos abandonos na sala. Facto: o Pavilhão Atlântico estava constrangido de tão vazio. Pensar que a enchente que correu atrás de 50 Cent é coisa para repetir-se por sistema é, como se viu, um erro absoluto.

Busta Rhymes esteve pouco menos de uma hora a dar música aos foliões. Consigo estiveram, ao longo da função, Spliff Star como segundo MC e Scratch como manuseador de gira-discos. Os três foram, sem exagero algum, protagonistas de uma espécie de galhofada empenhada mas inconsequente, sabichona mas facilmente olvidável. Se por si só a parcimónia do formato não ajudou em nada o festim, a já lendária acústica do Pavilhão Atlântico tratou do resto, puxando para perto da simples vibração os discos de DJ Scratchator e fazendo andar irritantemente à solta as palavras debitadas por Busta Rhymes e Spliff Star.

Objectivamente falando, Busta Rhymes passou em rápida revista um percurso que se esticou entre a época dos Leaders of the New School (pré-1996) e o álbum a editar em Março de 2006, de que fez a fineza de mostrar dois brevíssimos excertos (não fosse alguém estar ali para colocar a coisa na internet, supõe-se...). O homem, nova-iorquino de nascimento mas abençoado por sangue jamaicano, tem uma qualidade assinalável que transportou sem mácula para o pavilhão lisboeta: um flow intrincado, por vezes estonteante, pontualmente circense (elogio), permanentemente evidente. Rima como estando sob o efeito do crossfader de uma mesa de mistura, acrescenta efeitos ragga onde só se pensava caber o rap, acelera e atrasa o passo das palavras como se estivesse telecomandado. O pior é que o resto, o que o envolve, não se eleva a nível idêntico.

Reconhecido amiúde mais pelas frequentes colaborações do que no trabalho em nome individual, Busta Rhymes não deixa de ir buscar beats que soam familiares como vindos de outras mãos. O que em nada chocaria o cidadão comum, não fosse a tal acústica estranhamente aberrante do Pavilhão Atlãntico abafar praticamente por completo qualquer arremedo melódico oriundo dos gira-discos. E a isso ainda se juntou o tal efeito cacofónico que as vozes frequentemente desligadas do planeta Terra provocaram, com tempos totalmente estuprados e cadências absolutamente desprezadas. Não foi raro ver quem não fizesse a mínima ideia de como mexer, mesmo que milimetricamente, o corpo. Se fosse ao som do que superficialmente ouvia, pareceria um epiléptico descontrolado.

Palrador encartado, Busta Rhymes fez-se ao público diversas vezes tentando contrariar a inóspita visão de uma sala vazia. Nesse âmbito, pediu erva para fumar e recebeu-a, ajeitou com afinco a genitália sobre as proverbiais calças largas, teve as suas tiradas misóginas que, quando não são absorvidas de forma literal, podem ter alguma graça. Foi, nesse aspecto, um MC à séria. Simplesmente, juntando os outros factores descritos chegamos à natural conclusão de que se passou um serão, digamos, agradável. Sendo que "agradável" está entre os cinco piores adjectivos aplicados à música de quem quer que seja. Busta Rhymes esteve, efectivamente, para ali a fazer sinais de fumo. Só que eles desfaziam-se no ar antes de ser decifrados.

Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.

15 novembro 2005

Actividade socio-cultural do dia

Busta Rhymes

Ver Busta Rhymes no Pavilhão Atlântico.

Se a conjuntura estelar for favorável, ainda aparece por aqui um relato da coisa.

Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.

"And her hearing aid started to melt..." Vol. VII

Sonotone do dia:

Test Icicles

Test Icicles: "For Screening Purposes Only" (Outubro 2005)

Veredicto:

O conteúdo completo de um ferro-velho passado por um shaker de design e servido em malgas de vinho não é muito diferente daquilo a que soa o primeiro álbum dos Test Icicles. O trio não é apenas vítima da loucura desenfreada com que um certo meio inglês tem tentado reinventar a pólvora (ou o rock), felizmente para todos. É antes um tapete de vidros partidos, estilhaços de rock e de punk, de hip hop e de noise, de imaginário contra-cultural e, inevitavelmente, do enferrujado disco-punk que marca muitos dos seus contemporâneos (conferir o segundo single, "Circle Square Triangle"). De metal e de hardcore gratuito. Quando se dá por uma honestidade inocente, sobem furos acima de coisa quejanda. 72,9% de satisfação garantida.

Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.

14 novembro 2005

Apito Dourado na tropa

Jacinto Paixão

Não me faz confusão rigorosamente nenhuma colocar o meu intelecto em apreciação popular ao afirmar que sempre gostei de ver reality shows. Daqueles como deve ser, com pessoas que não conheço de parte nenhuma nem faço questão de conhecer. Que podem ser bandidos, mulheres-a-dias ou banqueiros, mas que ninguém fora do seu prédio sabe quem são ou o que fazem. E que, cientificamente, a partir do sofá é possível ver - respeitosamente - como figuras de laboratório para análise no âmbito das ciências sociais. Os reality shows alegadamente com pessoas famosas são outra coisa. Outra realidade, por assim dizer. São sinistros.

O senhor da foto, cuja telegenia nela se materializa com eloquência, é um dos figurões que ontem, domingo, deu entrada no reality show "1ª Companhia", na sua segunda edição em exibição na TVI. Chama-se, a criatura, Jacinto Paixão e exerce a actividade de árbitro de futebol, daqueles de categoria superior, que podem dirigir jogos do Benfica, do Sporting e do Porto. No caso, não pode. Está suspenso da actividade "apenas" por ser um dos alegados e numerosos envolvidos no processo conhecido como Apito Dourado. Exacto, aquele da corrupção, do favorecimento de clubes, do nevoeiro autárquico associado. A produtora de "1ª Companhia" está atenta. Não perdoa uma polémica. Pim!

Não há muito tempo, numa entrevista televisiva que creio ter cido concedida à SIC, Jacinto Paixão falou com alguma abertura sobre o alegado favorecimento do Futebol Clube do Porto num jogo específico. O caso envolvia, entre outras coisas, jantarada, profissionais da cópula e Reinaldo Teles, há muito figura proeminente do clube. De regresso à entrevista em questão, nela Jacinto Paixão confirmava a sua presença em locais associados à alegada trapaça, de um restaurante a um hotel. Como confirmava a realização de telefonemas "na bricandeira" - repito: "na brincadeira" - a propósito das tais profissionais da cópula. Como confirmava a presença de Reinaldo Teles em pontos do seu périplo pela Invicta. O problema é que o fazia com uma naturalidade preocupante, mostrando aparente incapacidade de associações mentais que se ensinam na Escola Primária. Este homem é agora, juntamente com um ex-realizador de filmes pornográficos, um dos vários candidatos ao papel de neo-estrela televisiva, pago a €2.500 por semana e com uma saborosa cenoura à vista no fim da "recruta" na "1ª Companhia".

Tudo isto me faz muita confusão. Não falando das implicações que a participação de criatura tão pouco interessante num programa de horário dito nobre pode ou não ter nas apreciações de um processo judicial que já lhe valeu a suspensão da actividade, faz-me ainda confusão o facilitismo bacoco, inane e risível a que o acto de criar qualquer coisa no universo da comunicação parece ter chegado. Imagine-se uma sequência num qualquer brainstorming na produtora da coisa:

- O que é que realmente queremos no programa?
- Polémica.
- Onde vamos buscar pessoas polémicas?
- No futebol e no sexo há sempre possibilidades...
- Era bom era um árbitro!...
- E eles alinham nisso?
- Espera lá, o Jacinto Paixão está sem arbitrar por estar ligado ao Apito Dourado!...
- Isso era fantástico... Anota aí: J-A-C-I-N-T-O P-A-I-X-Ã-O.

Da parte do sexo não é preciso falar muito, já que contratar "celebridades" como Alexandre Frota e Sá Leão são factos auto-explicativos. Falta, por enquanto, cometer a loucura de fazer polémica com a religião. E logo essa, que deve ter pilhas de graça.

Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.

"And her hearing aid started to melt..." Vol. VI

Sonotone do dia:

The Paddingtons

The Paddingtons: "First Things First" (Outubro 2005)

Veredicto:

Não é a primeira vez que o digo, mas há sempre mais um a descobrir. São os comentários de gente desconhecida sobre este ou aquele disco que inundam a net. Ao mesmo tempo que ouvia o objecto, tropecei numa magnífica descrição do dito na Amazon inglesa. E aqui fica ele, sem a necessidade de qualquer palavra extra. 36,1% de satisfação garantida.

"Style over Substance

Let's get things straight: The Paddingtons look amazing.
O.k., they don't look very different from many fashionistas running around East London, but then they also play instruments, and attempt to create something with them.

Herein lies the mistake, of course they know how to work the guitar better than Sid Vicious, but composing music with originality is as far away from Paddington-Land, as selling overpriced Designer Clothes is from your nearest H&M. It's not even the singers voice being unlistenable or the band being incapable of playing their instruments, but without a good song in sight, it makes this album tolerable at best.

I am sure they are nice people, but this doesn't hide the fact that 'The Paddingtons' are style over substance. Maybe this works for 14 year old girls, who wanna date one of the 'cute guy that are way cooler than any of the boys in their year' and have never heard any music older than 4 years, or for 16-20 year old guys that are having their Rock'n'Roll moment.

For anyone above that age group it would be adviseable to let this record go pass ignored. It just feels a bit like trying on worn-out clothes from your parents that don't quite fit anymore".

Assina antonhart.

Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.

Estacionar / Surrealizar

Não é de hoje que, quem vive em Lisboa e convive rotineiramente com o fenómeno do estacionamento organizado e gerido pela EMEL, acumula provas de que existem formas de vida não assimiláveis pelo humano terreno e mortal.

Este é o meu contributo para a investigação do paranormal.

Quinta-feira, 10 de Novembro de 2005. 16h03. Ver imagem abaixo.

Spark_EMEL Título

É meu e estava no tablier de um automóvel tão raro e difícil de investigar quanto um Peugeot 206. No regresso ao carro depois dos afazeres, um envelope adornava o pára-brisas. Lá dentro, o aviso que abaixo se reproduz.

Spark_EMEL Aviso

Apesar da letra miudinha, é possível avaliar o grau de lucidez do vigilante cujo nome figura como "Alberto Magalha". Uma viatura com o título de estacionamento válido é, para si, uma viatura sem o título de estacionamento válido.

Como sempre acontece nestes casos, o verbo recorrente transmitido ao cidadão é "liquidar". Neste caso, liquidar €2 depois de ter liquidado €1,5 no parcómetro. A pergunta que faço é: e como se liquida a incompetência?

Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.

10 novembro 2005

E se fossem trabalhar?

Coldplay

Esqueçamos temporariamente a história do primado da isenção no trabalho jornalístico. Isto é, basicamente, uma notícia comentada.

No caso, não incomoda ser uma notícia comentada. Tratando-se de uma das candidatas ao troféu de uma das mais aborrecidas bandas da história da música, tem mesmo alguma graça.

Noticia e parodia a Pitchfork, pela pena de Kati Llewellyn:

"Coldplay Announce Tour in Ridiculous Manner

Kati Llewellyn reports:

Coldplay? More like Coldpretentious! If you thought those guys were annoying, just wait until you hear this:

Coldplay will launch yet another North American tour early next year, but we can't tell you all of the dates just yet. Why? In order for this allegedly top secret information to be revealed, fans must flock by the thousands to a new website launched by the band.

Every time the site, TalkTheTour.com, brings in 33,000 hits, a date is unlocked. There are 26 of them in all, 16 of which have been disclosed. Sheesh, that's over half a million unique visitors. And they're not even making this a benefit for anybody! C'mon, guys!

Plus, the rest of the dates aren't even that secret: Ticketmaster already lists a Tampa, Florida show that hasn't been announced by Talk the Tour, and today's Chicago Tribune Red Eye announced a March 30 performance at the United Center.

Visitors that register to Talk the Tour will be able to view the video for Coldplay's new single, "Talk" (hence the name). In addition to this, those who tell their friends have a chance to win The Grand Prize: a call from Chris Martin, free front row tickets to a show, a meeting with the band, and a trip to the 2006 Grammy Awards. See you on the red carpet, Gwynnie.

The more you click, the more we have to tell:

01-25 Seattle, WA - Key Arena
01-26 Vancouver, British Columbia - GM Place
01-30 Sacramento, CA - Arco Arena
02-01 San Jose, CA - HP Pavilion
02-03 Las Vegas, NV - MGM Garden Grand Arena
02-19 Denver, CO - Pepsi Center
02-22 Auburn Hills, MI - Palace of Auburn Hills
02-23 Louisville, KY - Freedom Hall
02-26 Dallas, TX - American Airlines Center
02-27 Oklahoma City, OK - Ford Center
03-04 Orlando, FL - T.D. Waterhouse Centre
03-05 Tampa, FL - Ford Amphitheatre at the Florida State Fairgrounds
03-20 Cleveland, OH - Quicken Loans Arena
03-22 Toronto, Ontario - Air Canada Center
03-30 Chicago, IL - United Center
04-03 Manchester, NH - Verizon Wireless Arena
04-04 Uncasville, CT - Mohegan Sun Arena
04-06 Philadelphia, PA - Wachovia Center

In other Coldplay-bashing news, Gigwise.com reported earlier this morning that when asked which celebrity should burn in hell, the Darkness' Justin Hawkins responded with a big ol' Chris Martin! As a man who bought his own album on eBay to keep it from leaking, we think Hawkins can be trusted. We present Martin with a one way ticket to hell... and not back".

Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.

Força, bruto! Come com os olhos.

Fuerza Bruta

"Fuerza Bruta"
Toyota Box, Alcântara, Lisboa
Até 18 de Dezembro

Exactamente. Como já se percebeu pelo que se tem dito, este é um daqueles espectáculos em que o público paga para participar. O que sempre me fez, por princípio, alguma confusão. Se o cidadão paga para ver um espectáculo e os seus protagonistas o chamam para participar, o cidadão tem que ser, no mínimo, reembolsado no valor do seu investimento inicial. É da mais elementar justiça.

Dito isto, até não se pede muito do espectador em "Fuerza Bruta", dos argentinos que já por cá andaram com "De La Guarda". Pede-se, essencialmente, que se mexa em função das construções cénicas, o que já é motivo para descontar €5 aos €25 do bilhete, mas nada de transcendente nem de tão olímpico como já se viu em encenações da inevitável La Fura Dels Baus. Para assistir a "Fuerza Bruta", deve o espectador ter essencialmente um pescoço saudável e relativamente móvel, uma vez que muito se passa acima do nível da cabeça do humano dito normal.

"Fuerza Bruta" dura uma hora e não começa nada mal (ver foto). Parece, naquele momento de corrida desenfreada a remeter para a ideia de uma trituradora chamado quotidiano, existir ali uma ideia base, um conceito, que segue em exploração crescente ao longo do resto do tempo. Mas não. Ao deitar-se, o actor despoleta uma série de instalações carnais ao abrigo de uma qualquer ideia de sonho. Só que as instalações revelam-se praticamente aleatórias, De resto, um dos pedaços do manifesto artístico explica: "Não é teatro do futuro, nem é uma obra que se repete continuamente desde o passado. Fuerza Bruta não inventa nada. Fuerza Bruta é hoje e agora. Fuerza Bruta é!". Que se lixe o que é, portanto. É e mais nada.

Não conseguindo, ou nem sequer desejando, contar uma história ou partilhar uma metáfora, "Fuerza Bruta" é acima de tudo uma embriaguez visual a espaços verdadeiramente avassaladora. Nesse âmbito dificilmente sairá sem protagonismo o onírico momento (felizmente não fugaz) em que quatro jovens raparigas se aplicam em diversos tipos de serviço físico dentro de uma piscina suspensa sobre as nossas cabeças. Desiluda-se o mais entusiasmado, que não há nisto nada de sexual. Ou há, como em tudo. À transparência, o fundo da piscina transforma-se numa gigantesca tela mutante em que os retratos vivem, movem-se, manifestam-se e criam imagens de arrebatamento absoluto.

No mais, são estilhaços desalinhados que se distribuem pela sala ao som de uma electrónica entre o tecno, o house e o breakbeat, sendo todos esses elementos sónicos consideravelmente estridentes e agressivos. Chegado ao final, apercebendo-se do facto quando os actores começam a bater palmas, o cidadão ficará com a noção de que algo ali lhe escapou. Que as imagens o acompanharão em recorrências dopadas, mas que lhe falta a mensagem que as liga, a transmissão de um ideário associado ao imaginário. Ao que parece, "Fuerza Bruta" não ambiciona semelhante coisa. É, em suma, a mais recente encarnação da eternizada visão de Herbert Marshall McLuhan: "O Meio é a Mensagem".

Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.

09 novembro 2005

"And her hearing aid started to melt..." Vol. V

Sonotone do dia:

Fat Freddy's Drop

Fat Freddy's Drop: "Based on a True Story" (Julho 2005)

Veredicto:

Ignoremos as ligações ao Sonar Kollektiv para não nos enlearmos nessa truculenta teia de uma certa electrónica berlinense armada ao pingarelho. Os Fat Freddy's Drop têm origem nos nossos antípodas, a Nova Zelândia, e estão espartilhados por aquilo que alguns entendem como soul hi-tek. Não se tratanto, também, da reinvenção da roda, é sobretudo uma elegante e consistente arrumação de elementos jazz, dub, soul e funk (todos audíveis, ao contrário do habitual) numa batedeira única, de onde sai algo mais do que um estilhaço de exotismo com uma sombrinha de papel no topo. Musicalmente, isto é espiritualidade progressiva. 83,8% de satisfação garantida.

Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.

07 novembro 2005

"And her hearing aid started to melt..." Vol. IV

Sonotone do dia:

The Subways

The Subways: "Young for Eternity"" (Julho 2005)

Veredicto:

Primeiro álbum do trio inglês apadrinhado por Michael Eavis, patrão do Festival de Glastonbury, é um disco mais urgente para o grupo do que para quem o ouve. Tem a pressa de fazer canções na alvorada dos 20 anos e a imperfeição natural do rock que se produz na época da borbulha. Mas deixa a dúvida sobre a consistência que pode vir de quem, apesar do pêlo na venta, parece querer retomar a revolta seca dos Nirvana e a grandiloquência húmida dos Oasis. Um treinador de sofá aconselharia tocar muito mais ao vivo e esperar passar o efeito Clearasil antes de um segundo álbum. 58,7% de satisfação garantida.

Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.

04 novembro 2005

"And her hearing aid started to melt..." Vol. III

Sonotone do dia:

Public Enemy

Public Enemy: "New Whirl Odor" (Outubro 2005)

Veredicto:

Chuck D e Flavor Flav, sobretudo estes, dão novo fôlego à sua produção musical e com isso fogem ao atestado de óbito que sempre espera quem tem 10 álbuns editados. Com os intransmissíveis beats de chumbo e a verborreia afiada e a todos os níveis actualizada, os Public Enemy espalham-se apenas quando em "Anti Fool Believes" atingem orgulhosamente o pior do metal (só os Body Count conseguiram fazê-lo bem) e quando investem na auto-citação como potencial prova de vida. No mais, é ouvir e cerrar a dentadura. Ou seja, a velha mas rica história: "Power to the people cuz the people want peace".75,6% de satisfação garantida.

Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.

03 novembro 2005

Que palavras para estes artistas portugueses?

Ministério da Justiça

Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.

"And her hearing aid started to melt..." Vol. II

Sonotone do dia:

Babyshambles

Babyshambles: "Down in Albion" (Novembro 2005)

Veredicto:

Pete Doherty, ex-bobo da corte dos Libertines, em renovada tentativa de dar vazão a uma visão obtusa da coisa punk, adornada na estreia pela produção de Mick Jones, dos Clash. Chamem-lhe rock cru, mas não deixa amiúde de soar a um depósito de lados B de uma banda que não saiu da sala de ensaios. Até o fascínio de finais de 70 pela música da jamaicana é emulado em "Pipedown" e "Pentonville". Recomendação: ouvir com reflexos rápidos para accionar a faixa seguinte. 61,9% de satisfação garantida.

Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.

1 Pouco Mouco @ Mondo Bizarre #24

Mondo Bizarre 24

Na revista Mondo Bizarre #24 (Nov 2005):

The Smiths

CLÁSSICOS
DISCOS

The Smiths
The Queen is Dead (Rough Trade, 1986)

Na edição de Abril de 1994 da revista Q, olhando para trás como poucas vezes o fez durante vários anos, Stephen Patrick Morrissey afirmava sobre os Smiths e o seu terceiro álbum: “Algumas das coisas que fizemos não são tão boas como são recordadas. The Queen is Dead não é a nossa obra-prima. Eu sei disso. Eu estava lá. Eu forneci as sandes”. Descontado o tom irónico-jocoso característico do cantor, sobra um facto recorrente no que à relação da música dos Smiths com quem dela se enamorou para sempre diz respeito: emissor e receptor não concordam no teor da mensagem. “The Queen is Dead”, editado pelos Smiths em 1986, será sempre visto como a obra-prima que Morrissey desvaloriza na citada entrevista.

O facto é, porém, menos relevante quando se pensa que os Smiths, e particularmente o seu vocalista, foram sem pingo de exagero os porta-vozes de uma geração inglesa revoltada com a política do país e, num plano mais genérico, portadora das costumeiras dores de transição da adolescência para a idade adulta. Morrissey, como nenhum outro músico e letrista em Inglaterra, colocava na sua voz arrebatadora e chorosa as palavras a que milhares de pessoas não conseguiam dar sentido. E “The Queen is Dead”, que sucedia ao também militante “Meat is Murder” e antecedia o derradeiro “Strangeways, Here We Come”, é um colosso de rebeldia pop adornada pela guitarra de um iluminado, Johnny Marr, compositor de sempre dos Smiths.

Morrissey & Marr, a mais importante parelha britânica depois de Lennon & McCartney, fizeram de “The Queen is Dead” um repasto agri-doce: por um lado, Morrissey acusa elevadas taxas de corrosão e desencanto; por outro, Johnny Marr faz desfilar suavemente algumas das mais encantatórias canções que há muito deixaram de viver apenas na década de 80, como são os casos de “Bigmouth Strikes Again”, “The Boy With The Thorn In His Side” ou o onírico “There Is A Light That Never Goes Out”. Às quais se juntam, por exemplo, a canção que dá título ao disco e que em tudo se demarca da dolência negligente de muita da pop da época e, a fechar, um surreal “Some Girls Are Bigger Than Others”, contraste profundo entre os dedos mágicos de Marr e a diletância com que Morrissey pontualmente encarava a sua poesia. Em “Cemetry Gates”, por exemplo, a sua escrita leva à de outros ao revelar a sua preferência numa contenda entre John Keats e William Butler Yeats, de um lado, e Oscar Wilde, do outro.

Não bastando a sua magnificência musical, “The Queen is Dead” é ainda um instrumento pedagógico na descoberta da História e da cultura inglesas. Se não for sempre levado ao pé da letra. Pedro Gonçalves

Franz Ferdinand

Franz Ferdinand
You Could Have It So Much Better (Domino/Edel)
Não obstante a residência na cidade escocesa de Glasgow proporcionar aos Franz Ferdinand uma saudável distância da fogueira de vaidades e da usina de aspirantes a talentos que caracteriza o cerne da indústria do disco britânica, não foi difícil vaticinar que a desconfiança e algum cinismo se abatessem sobre o quarteto quando chegasse a altura de dar seguimento ao fracturante “Franz Ferdinand”. Sobretudo na Europa, onde o preconceito se contagia facilmente a partir de Inglaterra, havia quem esperasse o tombo monumental em “You Could Have It So Much Better”. Problema: os Franz Ferdinand são, musicalmente, um fenómeno especialíssimo, sozinhos nesse delicioso limbo onde a diletância e a maravilha científica da coisa pop se fundem em resultados estupidamente ricos do lado melódico e do lado rítmico.

De “Franz Ferdinand” se disse, e sem exagero, ser uma colecção de 11 potenciais singles, viagem por uma montanha russa que nunca chega a descer, mantendo-se lá em cima, onde a respiração acelera e o corpo arde em frenesim. Que se diga desde logo que “You Could Have It So Much Better” não produz o mesmo efeito. As responsabilidades do facto são repartidas por dois tipos de factores, internos e externos. No caso dos primeiros, identificam-se canções que se esgotam com o passar do tempo, arremedos sumptuosos de canções que poderiam ser temas não aproveitados para “Franz Ferdinand”. Como o punk anónimo de “Evil and a Heathen”, o quadrado circuito fechado de “Well That Was Easy” ou o vagamente arrivista “Outsiders”, que fecha o álbum. O resto são, mais uma vez, boas notícias.

Selo de qualidade dos Franz Ferdinand, as estonteantes deambulações pelos riffs de guitarra angulares e as melodias caprichosamente simples na voz de Alex Kapranos mantêm-se intocáveis em “You Could Have It So Much Better”. A que se acrescentam, e aí residirá a riqueza maior deste segundo álbum, estilhaços baladeiros de encanto superior. Se “Eleanor Put Your Boots On” é, conceptualmente, uma reminiscência de “Eleanor Rigby”, está ainda por saber, mas a grandiloquente aproximação aos Beatles circa “I Am The Walrus” é perfeitamente irressistível. Como o é, sem o recurso ao piano, o espartano “Walk Away”, ritmo e guitarra em passeio de pára-arranca que poderia remeter para os Pixies até pela forma mágica com que Alex Kapranos dialoga com as suas seis cordas electrificadas. Ou ainda o regresso aos Beatles (calma: o caso parece estar controlado) num cristalino embalar ao som de “Fade Together”.

Com canções como “The Fallen”, “Do You Want To”, “This Boy”, “What You Meant” e “I’m Your Villain” a colocar-se sem esforço ao nível do melhor de “Franz Ferdinand”, não é difícil imaginar que nada de mau se passa com a melhor coisinha que aconteceu ao universo pop/rock britânico desde a Beta Band e os Belle & Sebastian.
(8) PG

Editors

Editors
The Back Room (Kitchenware)
Nos tempos que correm, bem como nos mais recentes, a aparente necessidade de revitalização estética e comercial de um rock dito alternativo deu inevitável origem à edição de objectos duvidosos alojados numa qualquer lógica de “movimento”. Torna-se natural, portanto, o júbilo diante daquilo que quer e logra ser distintivo, próprio, intransmissível.

Aí se situam neste caso os ingleses Editors, aos quais se tem aplicado violentamente o carimbo “Interpol wannabes”. Descontada a estética gráfica a remeter para uns Joy Division, os Editors são muito mais a recordação de uns anos 80 maravilhosamente cinzentos do que a última carruagem de um comboio acabado de partir. Têm a grandiloquência simplificada de uns Echo & The Bunnymen, como têm a urgência de uns R.E.M. em início de vida. São uma entidade anti-fashion construída sobre guitarras ora aveludadas ora angulares e completada com a voz de Tom Smith, misto de inocência melódica e o desencanto de quem sabe demais. Experimente-se ouvi-los em vez de cortar os pulsos.
(7) PG

Black Rebel Motorcycle Club

Black Rebel Motorcycle Club
Howl (Chrysalis/EMI)
Os Black Rebel Motorcycle Club são a típica banda que, caso ficasse cronicamente presa na dualidade preto-branco, acabaria por implodir, morrendo ou tornando-se absolutamente irrelevante. Em dois álbuns consumiram todo o oxigénio que partilhavam com o ruído circular de uns Jesus & Mary Chain e, em menor dose, de uns Spacemen 3.

Vai-se a ver e os Black Rebel Motorcycle Club não eram apenas aquilo, um universo a duas dimensões. É por isso que “Howl”, o terceiro disco, constará como o mais importante na afirmação musical do trio de São Francisco. Chamar-lhe um álbum acústico é espartilhar a sua riqueza, mas pode ser um princípio para compreender a luminosidade de “Howl”. Saiba-se que a coisa se inicia ao som de um gospel embriagado e a duas vozes chamado “Shuffle Your Feet”. Confirmado o nome da banda no objecto por via das dúvidas, embarca-se numa diáspora de garimpeiros pela América desse gospel mas também da country e dos blues. São as cordas metálicas alinhadas com o divino, são as harmonias vocais que transportam para o paraíso, são as marcações rítmicas que moldam o estado de espírito, é a harmónica de Dylan. E tantas cores…
(8) PG

The Raveonettes

The Raveonettes
Pretty in Black (Columbia/Sony BMG)
Fartos dos conceitos musicais que se auto-impuseram em registos anteriores (canções com três acordes e menos de três minutos, etc.), os Raveonettes – ou seja, Sune Rose Wagner e Sharin Foo – trataram de fazer de “Pretty in Black” o seu Grito do Ipiranga, espécie de prova de vida que o mundo lhes solicitava. Se o conseguiram, isso é outra conversa. Muito bem, conseguiram-no.

Já não parece sempre Natal no mundo dos Raveonettes. E isso é bom. Ao invés de continuarem a adornar um imaginário residente nos anos 50 do século XX, a dupla dinamarquesa explora diferentes formas de uma mesma coisa pop – de uma circularidade diáfana a uma evidência in your face, de um anacronismo elegante a um subtil namoro electrónico.

Veja-se bem que Martin Rev (Suicide), Maureen Tucker (Velvet Underground) e Ronnie Spector andam (mesmo) por aqui. Mas não são determinantes em circunstância alguma. Os Raveonettes travestiram-se, mas isso não os torna muito mais bonitos do que eram. Talvez um nadinha, coisa pouca.
(6) PG

Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.

Loooooooooooooooongos dias finais

Last Days

"Forget about who Kurt Cobain was, and about his legend, this movie is not about him. Forget about the critics and the Cannes Film Festival, it's not about them either. Last Days is a sincere and personal movie by people who apparently respect Kurt's memory. At least enough to tell a touching and aesthetic story inspired by his ordeal".

Fora o fenómeno dos blogs, não se perde muito tempo na Internet, a ler prosas de anónimos/desconhecidos/curiosos que têm ou julgam ter alguma coisa para dizer. É pena. O excerto acima citado é o de um tal "samertabri" registado como francês no Internet Movie Database. Ora, ou estarei a passar ao lado de um famoso opinador ou esta entidade não quer ser ninguém em especial, apenas partilhar uma opinião. O pedaço de uma prosa maior, manifestação escrita dos aplausos em pé, refere-se a "Last Days", obra mais recente de Gus Van Sant, o de "Drugstore Cowboy", o de "Psycho", o de "Elephant". E acerta em cheio no olho do boi. Mas há mais coisas a dizer.

Os Nirvana foram uma forma de ser num contexto perfeito. A sua forma de ser, materializada na sua música, fez apenas metade daquilo que ainda hoje é o fenómeno Nirvana. A outra parte, como está bom de ver, é mesmo o contexto, a enfabulação social de um movimento com fundamentos honrosos e profundos que em muitos casos se esfumaram certamente em overdoses de heroína. O grunge, Seattle, o desnorte adolescente. Juntos, estes elementos fizeram com que uma banda tão boa como muitas outras conhecidas pelo homem se transformasse no fenómeno Nirvana. E que, por arrasto, Kurt Cobain, o mistério torturado que liderava o combo, se transformasse ele próprio num monstro santificado de dimensões superiores às que conseguia suportar.

Em "Last Days", Gus Van Sant pega naquilo que os elementos conhecidos e a sua imaginação lhe proporcionam e, só o referindo nos créditos do filme, cozinha aquilo que lhe parece bem terem sido os dias finais de Kurt Cobain, nas botas de um tal Blake de uma qualquer banda que não é referida, e por consequência dos Nirvana. Às tantas, pensar-se-ia ter Gus Van Sant nas mãos as mesmas armas afiadas com que Oliver Stone fez "The Doors" e com que Taylor Hackford fez "Ray". E tinha. Só que Van Sant é, digamos, um "artista". E encaixa-se, neste âmbito, no denominado cinema de autor como um Ingmar Bergman em drogas estranhas.

Vai daí, em "Last Days" o tal Kurt Cobain-que-não-é-Kurt Cobain (Michael Pitt) tem tanto carisma quanto cada calhau de que é feita a casa onde habita na decadência. Michael Pitt, diga-se, é apenas um drogado em estado terminal cuja densidade dramática da personagem se esbate em longos planos dopados e no visto e revisto jogo dos anéis entrelaçados em que uma história (que história?) é contada em excertos que se intersectam. Naturalmente, Michael Pitt não é Val Kilmer em "The Doors" nem Jamie Foxx em "Ray". É assim uma coisinha que para ali anda com um cabelo e umas roupas que de facto lembram Kurt Cobain. O protagonista é, como facilmente se conclui, Gus Van Sant.

E Gus Van Sant é, como referido, um "artista". Por exemplo: em "Last Days" está presente a família Sonic Youth, Thurston Moore como consultor musical e Kim Gordon como fogaz personagem do filme. E, tal como os Sonic Youth, Gus van Sant é capaz de, mesmo muito lentamente, elevar os sentidos até ao ponto da ansiedade em picos pontuais de uma obra. E, tal como os Sonic Youth, também alguns desses picos, que podiam ser arrebatadores, se desfazem com um sopro de experimentalismo onanista. É isso, precisamente, que acontece em "Last Days".

Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.

02 novembro 2005

"And her hearing aid started to melt..." Vol. I

Sonotone do dia:

Hard-Fi

Hard-Fi: "Stars of CCTV" (Julho 2005)

Veredicto:

Perdi o ouvido em 1979, entre Coventry e Nova Iorque, e esta classe operária do Middlesex devolve-mo em 2005. 72,3% de satisfação garantida.

Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.