16 novembro 2005

Sinais de fumo

Busta Rhymes RC 2 (p)
Foto: Rita Carmo

Busta Rhymes
Pavilhão Atlântico, Lisboa
15 de Novembro

A materialização do rap em palco nunca foi assunto consensual. Percebe-se facilmente a razão. Quando, ao vivo, toma forma a vetusta fórmula "two turntables and a microphone", o rap encontra condições perfeitas para estatelar-se ao comprido numa intrincada cacofonia que em nada se parece com a produção em crescendo científico que marca os registos em disco. O problema não é esse saudável afastamento das memórias gravadas num objecto, mas o resultado desse afastamento. Busta Rhymes, que ontem à noite actuou pela primeira vez em Portugal, no Pavilhão Atlântico (Lisboa), ilustrou esta ideia com rara perfeição.

Injusto seria, no entanto, não começar a prosa pelo princípio. E ao princípio deve ser chamada a aparente anarquia organizativa de que foi feita a noite que tinha Busta Rhymes como cabeça de cartaz. Facto: dizia-se que o serão se inciaria entre as 21h00 e as 21h30 ao som de dois colectivos de hip hop oriundos de Angola; como Busta Rhymes só subiu ao palco às 22h30, e depois de uma embaraçosa sessão de DJ Scratchator como "animador" de uma curta populaça impaciente, os citados grupos ocuparam o palco em fim de noite, angariando numerosos abandonos na sala. Facto: o Pavilhão Atlântico estava constrangido de tão vazio. Pensar que a enchente que correu atrás de 50 Cent é coisa para repetir-se por sistema é, como se viu, um erro absoluto.

Busta Rhymes esteve pouco menos de uma hora a dar música aos foliões. Consigo estiveram, ao longo da função, Spliff Star como segundo MC e Scratch como manuseador de gira-discos. Os três foram, sem exagero algum, protagonistas de uma espécie de galhofada empenhada mas inconsequente, sabichona mas facilmente olvidável. Se por si só a parcimónia do formato não ajudou em nada o festim, a já lendária acústica do Pavilhão Atlântico tratou do resto, puxando para perto da simples vibração os discos de DJ Scratchator e fazendo andar irritantemente à solta as palavras debitadas por Busta Rhymes e Spliff Star.

Objectivamente falando, Busta Rhymes passou em rápida revista um percurso que se esticou entre a época dos Leaders of the New School (pré-1996) e o álbum a editar em Março de 2006, de que fez a fineza de mostrar dois brevíssimos excertos (não fosse alguém estar ali para colocar a coisa na internet, supõe-se...). O homem, nova-iorquino de nascimento mas abençoado por sangue jamaicano, tem uma qualidade assinalável que transportou sem mácula para o pavilhão lisboeta: um flow intrincado, por vezes estonteante, pontualmente circense (elogio), permanentemente evidente. Rima como estando sob o efeito do crossfader de uma mesa de mistura, acrescenta efeitos ragga onde só se pensava caber o rap, acelera e atrasa o passo das palavras como se estivesse telecomandado. O pior é que o resto, o que o envolve, não se eleva a nível idêntico.

Reconhecido amiúde mais pelas frequentes colaborações do que no trabalho em nome individual, Busta Rhymes não deixa de ir buscar beats que soam familiares como vindos de outras mãos. O que em nada chocaria o cidadão comum, não fosse a tal acústica estranhamente aberrante do Pavilhão Atlãntico abafar praticamente por completo qualquer arremedo melódico oriundo dos gira-discos. E a isso ainda se juntou o tal efeito cacofónico que as vozes frequentemente desligadas do planeta Terra provocaram, com tempos totalmente estuprados e cadências absolutamente desprezadas. Não foi raro ver quem não fizesse a mínima ideia de como mexer, mesmo que milimetricamente, o corpo. Se fosse ao som do que superficialmente ouvia, pareceria um epiléptico descontrolado.

Palrador encartado, Busta Rhymes fez-se ao público diversas vezes tentando contrariar a inóspita visão de uma sala vazia. Nesse âmbito, pediu erva para fumar e recebeu-a, ajeitou com afinco a genitália sobre as proverbiais calças largas, teve as suas tiradas misóginas que, quando não são absorvidas de forma literal, podem ter alguma graça. Foi, nesse aspecto, um MC à séria. Simplesmente, juntando os outros factores descritos chegamos à natural conclusão de que se passou um serão, digamos, agradável. Sendo que "agradável" está entre os cinco piores adjectivos aplicados à música de quem quer que seja. Busta Rhymes esteve, efectivamente, para ali a fazer sinais de fumo. Só que eles desfaziam-se no ar antes de ser decifrados.

Mas isto pode ser do meu ouvido, que é 1 pouco mouco.

4 comentários:

  1. Grande Pedro.

    Completamente de acordo. Foi mesmo Desilusão, falta carisma ao Busta em palco.

    o meu contributo:

    http://diariodigital.sapo.pt/disco_digital/news.asp?id_news=16420

    Abraço

    João Gonçalves

    ResponderEliminar
  2. Grande João:

    É bom que, entre tantas e tantas pessoas, temos opiniões semelhantes sobre a coisa.

    Dispõe sempre, amigo!

    Cheers!

    ResponderEliminar
  3. Companheiro!
    Estava com um presentimento que a coisa nao pegava...poupei a deslocaçao ao pabilhao numa noite fria. Rap Attack a serio no palco? Tragam os Public Enemy a Lisboa, e vao ver...
    abraços

    ResponderEliminar
  4. Bem nao vamos comparar Busta a 50 so a publicidade da cidade Fm e coisas do genero... ate um alentejano isolado num monte sabia k ele nos vinha visitar... mas nao me estava a cheirar bem ainda bem poupei dinheiro k fica para a Missy, mesmo assim acho k devia ter ido e n deviamos ser tao duros afinal sao os primeiros passos da cena internacional ca em portugal
    peace out

    ResponderEliminar